Cineasta Indígena - Foto: Carlos Eduardo Magalhães |
Por: Dedê Maia
Voltada já alguns meses ao tratamento de minha saúde que andou me avisando que precisava de cuidados, deu saudade de escrever.
E escrever para mim é como uma reza forte. É como deixar escorrer pelas pontas dos dedos as dores, as certezas e muitas dúvidas, as idéias, os sonhos, as alegrias, as reflexões da alma.
Em dezembro de 2016, minha vida parou. Recebi um exame com um diagnóstico bomba: um câncer de colo de útero! Pensei: - Puxa vida! E eu que sempre fiz tudo tão direitinho! Sempre me cuidei e achei que estava protegida com minha saúde invejável! - Amargo engano! Mas, essa experiência me trouxe revelações nunca vividas, nem sentidas. No entanto esse é outro assunto. Qualquer dia desses escrevo sobre.
Retornando a quase “normalidade” da minha vidola, chegando ao final desse tratamento de efeitos colaterais que arrepia a nossa alma, muitos assuntos que fazem parte da minha vida, do meu cotidiano foram fluindo... Como esse rio Acre... Robusto com suas águas de inverno amazônico. E papo de “índio” é o que não falta na minha vida!
E confesso, meu amigo Jairo Lima, que teu ultimo texto no Crônicas Indigenistas, como tantos outros, mas esse de forma bem especial, me instigou, pois abordas um tema do qual eu venho tratando, embora numa outra perspectiva e em outra linguagem: Civilização desaparece? Não!
Sou Moderno... Sou “índio”
Biraci Yawanawá - Foto: Blog do Accioly |
Faz tempo que negam que os Povos Originários existem! Negam suas identidades...Suas culturas... Sua humanidade.
Negaram quando aqui chegaram pela primeira vez invadindo nossas terras e nos chamando de “índios...” E continuam chamando de “índios”. Um genérico que nada quer dizer, a não ser, que nada somos. Apenas um “amontoado de seres estranhos que vivem ocupando terras e bairros nas cidades e nada produzem. Seres que atrapalham o desenvolvimento deste país varonil” Assim sempre foi!
Benky Piyanko - Foto: House of Indians |
Uns expressam a visão que os Povos Indígenas são sociedades, que “naturalmente” (sic) estão fadados a extinção e por tanto não precisam de tanta terra. Outros acham que os “Índios” até têm direito sim, mas para “tanto”, para serem “merecedores” “têm que ser índios de verdade, têm que andar nus, têm que usar ‘mim’ no lugar de ‘eu’... Serem ingênuos e não terem acesso à tecnologia.”. Esses são alguns dos clichês que refletem essa visão estereotipada da sociedade brasileira
Essa visão também carrega preconceitos e outros equívocos, que são adotadas como referências e critérios para leigos definirem o que é, e o que deve ser um “índio de verdade”. Qualquer indígena saindo desse padrão é identificado como “um índio que perdeu suas raízes”.
Daiara Tukano - Foto: Renata Humann |
Esses personagens indígenas também lideram movimentos e participam ativamente do cotidiano urbano, e que ajudam a estabelecer novas relações entre seu povo de origem e a sociedade ocidental.
Nem todos os Povos Indígenas habitam a Amazônia, embora a maioria esteja concentrada nessa região.
A cidade de São Paulo, por exemplo, e creio que a maior parte da população dessa cidade não tem esse conhecimento, abriga uma população indígena considerada a quarta maior em número de concentração indígena contemporânea urbana. São 12.977 índios vivendo na “selva de pedra”, segundo o censo do IBGE/2010
Os principais motivos que levam esses indígenas as cidades e arredores é a busca de “melhores condições de vida: emprego, estudo para os filhos, tratamento da saúde...” Ou ainda quando os limites das cidades alcançam as fronteiras de seus territórios e o contato é mais freqüente e inevitável, o que os torna mais vulneráveis aos clichês racistas e preconceituosos, sem nenhuma chance de oportunidades e dependentes da sociedade ocidental.
Essa população indígena contemporânea urbana já comporia um documentário em si.
Ibã Hui Kuin - Foto: acervo MAHKU |
No entanto, a proposta da série “sou moderno, sou Índio” é ir além dessas fronteiras da miséria que atinge alguns povos indígenas, especialmente os que vivem nos limites das grandes metrópoles, como São Paulo, e que precisam de visibilidade e de soluções;
Mas o projeto é também encontrar e documentar alguns personagens indígenas contemporâneos, homens e mulheres, sujeitos articuladores políticos, animadores culturais, atores, pesquisadores/Historiadores, comunicadores/cineastas ,escritores, músicos, curadores/Doutores da floresta, os quais lideram lutas e que além de terem trabalhos significativos através de linguagens, técnicas e tecnologias do mundo ocidental, transitam nesse universo conscientes de onde estão, onde querem chegar, e onde é o seu lugar de origem.
São personagens que transitam no mundo ocidental, mas que estão intimamente ligados, não só espiritualmente, mas fisicamente às suas origens, as suas tradições, a sua ancestralidade, e onde se abastecem de força, inspiração poder e motivação para o transito fora de seus territórios. Além de contribuírem definitivamente para a quebra desses paradigmas inicialmente citados.
Raial Orotu Puri - Foto: Carol Mira |
Todos esses personagens serão guiados pelas freqüências da primeira rádio indígena brasileira, a rádio Yandê.
Sou Moderno Sou Índio, tem previsão de lançamento para o segundo semestre de 2018.
Haux Haux Haux.
Dede Maia é indigenista acreana. Sua trajetória de vida mescla-se com a história do indigenismo acreano. Junto com grandes indigenistas como os Txais Terri e Antonio Macêdo ajudou a construir o que hoje chamamos "a história do Acre Indígena" . Mesmo desenvolvendo vários projetos diferentes em sua trajetória, sempre se destacou como incentivadora e apoiadora do processo de fortalecimento da cultura tradicional em sua expressão artística e material, sendo autora, coautora ou participante de um-sem número de projetos voltados à esta frente indigenista.
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