sexta-feira, 28 de abril de 2017

UMA TRAVESSIA PELOS TERREIROS DO POVO JAPÓ: Ashaninka do Rio Amônia

Por: Dedê Maia

Por instantes fiquei matutando como descrever essa travessia pelos terreiros do povo do Japó, famílias Ashaninka do rio Amônia, Município de Marechal Thaumaturgo, casa do meu amigo Benki Piyãnko, local onde está sendo construído o Centro de Cura Yorenka Tasore (saberes da criação), coordenado pelo nosso anfitrião, e que tem como base os seus conhecimentos ancestrais no uso das medicinas tradicionais e tratamento na “recuperação das energias que as doenças e muitos remédios químicos consomem dos seres humanos” (Benki Piyãnko)
“... As plantas... as nossas medicinas têm espírito e são esses espíritos que vão nos curar... Dar-nos a energia necessária para estabelecer a cura do corpo e do espírito... Mas é preciso acreditar... E concentrar nos curadores que estão em nossas ervas medicinais... Nossa Ayhauaska... Nosso kamarãpy... Essa é a nossa ciência... Nossa intenção também é trabalhar junto com a ciência dos brancos... Com médicos... Fisioterapeutas... Terapeutas, que estão dispostos a realizar esse intercâmbio com a gente para atender não só nossa comunidade Ashaninka, como também a comunidade do entorno que vêm buscar tratamento com a gente... Esse é o nosso projeto... Construir no Centro de Cura Yorenka Tasore o nosso hospital para atender a quem nos procurar...” (parte de uma palestra onde anotei pontos importantes da fala de Benki Piyãnko).

quarta-feira, 26 de abril de 2017

SOBRE A NECESSIDADE DE SEMPRE REPRESENTAR OS SOBREVIVENTES. E SOBREVIVER A ISSO.

Por: Raial Orotu Puri


Faz já algum tempo que tenho uma preocupação recorrente acerca da necessidade, que cada vez se coloca de forma mais essencial, dos indígenas estarem também participando do mundo dos brancos. E isso, não necessariamente para confraternizar – quase nunca para isso – mas para tentar apreender certas ferramentas, para estar atento a ameaças e para encontrar escuta, para reivindicar direitos, para fazer-se ouvir e ser sentinela. Não que isso seja necessariamente agradável – quase nunca é – ou a melhor maneira de empregar seu tempo, quando a opção pode ser uma vida numa aldeia, e a eternidade das coisas que não mudam, das notícias que chegam tarde, do tempo que escoa a conta gotas.

Sempre tive a impressão de que, numa aldeia distante o suficiente da ‘civilização’, quando o mundo acabar a notícia vai chegar uns 03 meses depois do acontecido. Se chegar. E isso é ótimo!! O grande problema é que, cada vez mais, essa ‘distância suficiente’ diminui, e as tentativas de aniquilação do mundo indígena também se tornam cada vez mais próximas e cotidianas. E, ao que tudo nos indica, não é estrategicamente viável deixar de vigiar as ameaças sempre crescentes, e os ataques cada vez mais descarados que o mundo do raion vem perpetrando contra os povos originários. Por essas e outras coisas, a necessidade de que indígenas estejam ‘representando’ seu povo em meio não-indígena acaba sendo uma constante, para o bem ou para o mal.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

MUNDO DOS SONHOS: sagrado indígena e a busca para "sair da caverna”...

Por: Jairo Lima


A luz da lua penetrou na pequena casa onde eu estava. De minha rede eu via sua fria luz pela porta e brechas na parede de paxiúba. A luz iluminava, também, duas outras redes estendidas, onde seus ocupantes, a uma primeira olhada, pareciam estátuas de fino mármore, reluzindo placidamente a luz que parcialmente os atingia. Não sem um pouco de esforço eu conseguia visualizá-los, pois, o fato de tentar manter os olhos abertos despendia uma grande concentração de minha parte. Duas pequenas figuras se destacavam na semi-luz do ambiente, sentados firmes diante uma pequena lamparina a querosene que teimava em rivalizar com a luz fria que penetrava o ambiente.

Uma voz que parecia estar em todo canto, sem realmente ser percebida em sua origem, entoava um cântico cadenciado, simétrico e firme, como se estivesse dando ordens a algo intangível. Tudo parecia tão longe e, ao mesmo tempo, tão perto.
Vez ou outra percebia outros sons que penetravam abruptamente o ambiente. Estes vinham de pássaros e outros entes noturnos que se cercavam do ambiente. Eu podia jurar que conseguia até ouvir o borbulhar lento, produzido pela água corrente do pequeno rio que passava logo adiante da casa.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

DIREITO, O APRENDIZ, ELAS/ES, AS/OS MESTRAS/ES: À procura de uma escuta qualificada

Jovem Yawanawá - Foto: Sergio Vale
Por: Claudia Aguirre


Eu, a aprendiz, elas/es, as/os mestras/es

No último dia 3 de abril, tive a honra de representar a Defensoria Pública do Estado do Acre no primeiro dia das atividades do Seminário “Subsídios para a criação das categorias ‘escola indígena’ e ‘professor indígena’, e outros marcos para a gestão intercultural da EEI no Acre”, promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Acre e a Comissão Pró-Índio do Acre, com o apoio da UNICEF.

Na ocasião, as falas das professoras e professores indígenas presentes espelhavam visões de mundo muito profundas, vivas, demonstrando uma autoconsciência cultural e uma disposição ao diálogo de dar inveja a muito cara-pálida. Dentre as falas, uma me pareceu muito paradigmática da lição que eu, a aprendiz - a defensora pública tinha saído para dar uma volta - tinha que aprender ali.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

SOBRE MINHA AVÓ, EU MESMA E O ORGULHO DE SER PURI NESTE 19 DE ABRIL

Anita Malfatti
Por: Raial Orotu Puri


Ser Puri
É mais ou menos isso:
Verde que busque o daquela pitaya.
Adaptada e feliz em Ser.
Ou quase...
E quando penso em ser Puri
Quanto estou entre outros de mim
Sinto pulsar a nossa valentia
Penso em meu pai...
Em sua história de sobrinho de alfaiate e filho daquela índia...
Minha avó!
Eu mesma!
Nos perdemos de nós
E aí está a nossa covardia
Em se deixar perder
...essa coragem que tudo o que se sabe folha tem.
A mim não ofende ser chamada covarde!
Porque não me ofende ser.
Quem sabe de sua coragem sabe de seus limites
Que possamos estar juntos para nos saber melhor e mais fortes do que pensávamos.
Somos!
(Poema de Tuschahi Puri)



Às vezes algumas coincidências chegam a ser irritantemente boas. Uma dessas é o fato de ‘meu dia de escrever’, a quarta-feira, caia justamente no dia 19 de abril. (Outra é que hoje é aniversário da grande divindade perspectivista da antropologia brasileira, Eduardo Viveiros de Castro – a quem desejo meus sinceros parabéns, a propósito). Vai daí, que escrever nesse dia, estando sempre dizendo e redizendo o quanto esta data de calendário diz muito pouco, e representa muito pouco, para quem tem de lutar pra ser todo dia, e todo dia precisa provar que ainda existe, é realmente uma ironia impagável, dessas que merecem que a gente escreva um texto a respeito. Pois bem, eis o texto.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

SOBRE POSTAGENS, APONTAMENTOS E MENTE ABERTA...


Por: Jairo Lima


“É preciso ter a mente aberta, mas não a ponto de que o cérebro caia”...

Esta frase martelava em minha mente enquanto pensava nas notícias recebidas via mensagens ou lidas despreocupadamente na tal da timeline de minha vida social virtual.

Ia lendo coisas, vendo toda a movimentação para o evento “Acampamento Terra Livre”, a ser realizado este mês que, segundo alguns mais antenados no esoterismo das coisas, vem de Aprus, o nome etrusco de Vénus, deusa do amor e da paixão.
Apertando a setinha de rolamento de página vou vendo manifestações de apoio a algum movimento feminista; Manifestações políticas raivosas ou sarcásticas sobre a atual conjuntura do circo político que estamos vivendo; Vejo algumas divulgações de retiros e rituais sagrados, onde as “doações” variam de acordo com a “chiqueza” do espaço a ser utilizado. Um pouco enfadado vejo algumas manifestações de apoio ao retorno da ditadura (!)... vindas de pessoas que não tinham nem nascido, quando este funesto e ridículo sistema político deixou de existir. Não posso deixar de pensar que, certamente, o máximo de leitura que estas criaturas devem ter são de postagens de jornalecos que mais parecem tabloides.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

KUSANATY: O MUNDO XAMÃNICO APURINÃ - Parte II

Autora: Moara Brasil
Por: Francisco Apurinã
Para acessar a parte I clique aqui


Ritual do Kyynyry
O Kyynyry ou Xinagné é o principal ritual do povo Apurinã. Reúne moradores de várias aldeias para, juntos, festejarem a passagem do espírito de quem faleceu; é também a ocasião de refazer as alianças entre pessoas, aldeias e grupos inimigos. Os Apurinã ainda mantêm viva a tradição desse rito e, durante os dias de festas, os participantes se enfeitam com as cores da floresta, expressa em suas pinturas corporais e nos mais variados adornos e indumentárias. Os grafismos são traçados com a tinta do urucu e jenipapo, traduzidos nas malhas da hãkyty (onça pintada), do xutuiu (jabuti) e da kiãty (cobra jiboia). Esta última é mais indicada para as mulheres e as demais para os homens. Entre os muitos significados, tais pinturas indicam o grupo clânico ao qual a pessoa pertence, o que ela pode ou não comer e com quem pode casar-se.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A MÁQUINA E A REVOLTA*: a academia, os indígenas e os paradoxos de um acesso não muito acessível



Por: Raial Orotu Puri

Nesta última semana que passou, acompanhei dois eventos realizados na capital Rio Branco que trataram de assuntos de importância para os povos originários, ao mesmo tempo em que acompanhava de longe algumas outras tantas coisas e situações da luta e da lida diária que fazem parte do Ser indígena. Pensei, a princípio em escrever especificamente sobre isso, ainda em certa correlação com o que escrevi na semana passada sobre abril, este mês e os muitos eventos em que se celebra a ancestralidade indígena de um país que na maior parte do tempo opta por ignorar e silenciar suas raízes.

A motivação central do meu texto era um colossal incômodo gerado por uma das falas ocorridas no I Seminário sobre Saúde Indígena promovido pelo Conselho Federal de Medicina no dia 06 de abril, e que contou com algumas palestras e falas bastante interessantes, mas que também contou com o seu quinhão de surrealismo, bem como com a curiosa e gritante ausência de participação de pelo menos um dos quatro médicos indígenas pertencentes aos povos Yawanawa e Huni Kui, formados em Cuba, e que atuam  aqui no Acre, em Manaus e no Pará. (Como diz aquela máxima para lá de conhecida “representatividade importa!”).

A única presença indígena como palestrante na temática do evento foi de Ninawa Huni Kui, acadêmico do primeiro ano de medicina da Universidade Amazônica de Pando – UAP, Bolívia, que apresentou uma retrospectiva histórica acerca da criação do subsistema de saúde indígena, também apresentou a experiência específica e estrutura do DSEI Alto Purus. Aos demais indígenas presentes, inclusive a médica Maria Gilda Yawanawa, que atende na Unidade de Pronto Atendimento – UPA da Cidade do Povo em Rio Branco, coube apenas a plateia.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

É POSSÍVEL PERDER-SE NO CAMINHO DO SAGRADO?

Autor: Ibã Sales Huni Kuin
Por: Jairo Lima


Certo dia, eu estava no escritório quando a secretária anunciou que uma senhora gostaria de falar comigo. Perguntei o assunto, mas ela não soube me informar, então pedi que a trouxesse à sala que eu atenderia. Nisso, entrou uma jovem senhora, não mais que seus quarenta anos, bem arrumada, perfumada e com um ar de dignidade que não conseguia disfarçar certo nervosismo ou urgência no assunto que gostaria de tratar comigo.

Após as saudações cordiais de praxe, coloquei-me à sua disposição para que pudesse atendê-la da melhor maneira possível, dependendo do assunto que fosse tratar, caso estivesse em minha alçada e conhecimento.

Olhando furtivamente para o lado, a senhora inclinou-se em minha direção e, num quase sussurro disse que tinha um assunto muito sério a denunciar, pois era algo de extrema urgência e importância.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

OS GUARDIÕES DA FLORESTA

Jovem Ashaninka
Por: Maria Fernanda Ribeiro


Ao chegar em Cruzeiro do Sul, no Acre, demorei um dia para sair do hotel. Fiquei prostrada na cama com uma angústia travestida de medo que me paralisou até os ossos. Não era medo da violência. Não era medo por ser uma mulher viajando sozinha pela Amazônia. Era um terror de que ao andar pelas ladeiras de uma das cidades mais a Oeste do país eu constatasse que a decisão de largar minha vida em São Paulo para conhecer e compartilhar as histórias dos povos da floresta havia sido um equívoco. E dos bravos.


A jornada, que só tinha passagem de ida, começou em julho de 2016 e a decisão veio após uma rápida viagem de férias pelo Pará e o rio Tapajós, com comunidades ribeirinhas, e a certeza de que eu era uma ignorante completa – no sentido genuíno da palavra – do Brasil e do povo brasileiro.


Ao navegar pela água cristalina do Tapajós percebi que eu era mais uma das pessoas do Sul e Sudeste do país que ignorava completamente a existência da Amazônia e enxergava o país de acordo com o meu conceito e concepção de realidade, que naquele momento resumia-se a um apartamento a um quarteirão da Avenida Paulista, a um emprego bem remunerado e a malfadada zona de conforto, que pode nos paralisar como num estado de coma. Induzido.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

O MÊS, O DIA E O TODO DIA DE ÍNDIO

Por: Raial Orotu Puri

Eis que chegou o mês de abril, um mês que exige de quem tem sangue indígena um certo grau de estoicismo para dar conta do recado de ‘levar numa boa’ o conjunto irônico que ele compõe. e com ele virão, como sempre, as menções à cultura indígena, em face do controverso “Dia do índio”, 19 de abril. Um só dia, enquanto que antes, como diz Babi ‘todo dia era dia de índio’. Controverso, porque nesse dia do calendário específico aparentemente o Brasil que, durante 364 dias prefere negar a sua raiz, se vê subitamente inundado por uma onda de ‘homenagens’ nem sempre bem elaboradas aos povos originários.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

SOBRE BUSCAS, ILUMINAÇÃO E CURA...

Foto: Arison Jardim, SECOM-AC
Por: Jairo Lima

(...)*
“O Sol que brilha na colina espalha seus raios de amor
È o maestro da sinfonia que transforma Luz em Cor
São as cores da realeza, onipresença do criador
Seu pincel fez a natureza, sagrado quadro de esplendor
Conhecendo esta pintura e sua beleza que nos desperta
Eu encontro a minha cura na formosura da floresta”


Esse trecho da canção do Chandra me veio à mente enquanto revisava o Capítulo VIII de um dos meus diários, no qual venho trabalhando preguiçosamente, com fins de disponibilizá-lo para uma publicação futura.

Neste capítulo, eu, com meus vinte e sete anos peregrinava pelos Andes na Bolívia e Peru, menos a trabalho (pois era o motivo oficial desta viagem) e mais por estar em busca de “algo”, que eu não sabia direito o que era de início mas que, ao longo desta jornada, acabou por se mostrar perfeitamente claro: eu estava em busca de uma “cura”, e essa cura nada mais era que a busca por mim mesmo. Eterna questão que assombra o Homem desde os primórdios de sua iluminação mental, quando nos demos conta do “eu”.