Por: Jairo Lima
Estamos de saco cheio ou só estamos ficando insensíveis???
Hoje acordei pensando em coisas positivas e importantes.
Será estranho isso?
Digo isso porque, ao que parece, o mundo anda às turras com
a positividade. Parece que estamos cercados de uma negatividade horripilante, que
nos deixa com aquela sensação desagradável, igual a aquela quintura que sentimos no auge do verão amazônico, quando a umidade
se une com o calor e nos amuquinha*
lentamente.
Fazia já um tempo que não me dedicava a observar minhas
redes sociais, tendo me limitado, nos últimos meses a uma postagem ou outra,
de coisas mais ou menos importantes, que ninguém nem visualiza, certamente e, a
outras tantas postagens totalmente inúteis do ponto de vista prático, que
igualmente foi devidamente ignorado pelo grupo heterogêneo e, em grande parte,
desconhecido de ‘amigos’ que eu adicionei à lista de minhas redes. Claro que
muitos não tive o prazer de conhecer pessoalmente, outros que não sei por que
adicionei e um bocado que realmente me pergunto como me acharam nesse universo
infinito de possibilidades de amizades.
Descobri um canal no YouTube bastante interessante, que
traz uma interessante experiência musical, onde faz-se arranjos alternativos
para músicas bem conhecidas dos anos oitenta a atualidade e, enquanto o escuto
nesse momento, fico matutando sobre essa coisa estranha de ter acordado com
pensamentos positivos, e como estes enfraquecem ao longo do dia, principalmente
quando os expomos a leitura das notícias diárias ou, pior, quando nos
aventuramos à navegação social de nossa atual existência virtual e....
BUM!!!!!! Acabei de perceber que não estou falando de índios ou de alguma coisa
ligada à cultura indígena!!! Nossa!!! Certamente perdi a atenção de alguns que aguentaram
até aqui essa leitura. Mas prometo que em algum lugar desse texto pode ser que
encontremos alguma ponte com esse tema que, não sei por que, parece ser a única
coisa que ainda prende a atenção de alguns poucos e, em outros casos, quando
resolvo chutar o ‘pau-da-barraca’ suscita o interesse de muitos. Vamos lá....
firmeza.
Retomo o pensamento inicial refletindo se por acaso não estamos
simplesmente de saco cheio de tanta positividade ou informações relevantes, que
nos fazem passar adiante para postagens mais interessantes como as de pets (adoro), ou de memes (que tenho uma
dificuldade enorme de entender às vezes) ou, ainda, de pessoas que fazem do
proselitismo político e da violência verborrágica um estilo de vida. Será que
estamos sendo sufocados por tanta coisa relevante, que simplesmente preferimos desviar
nosso foco para o ‘buraco de avestruz’ da percepção sensorial que nos
escraviza?
Recebo uma foto no meu zap... é minha esposa posando com
meus queridos ‘parentes’ Shanenawa, durante um importante evento voltado a
educação escolar indígena que está sendo realizado na aldeia Morada Nova, Terra
Indígena Katukina/Kaxinawá, no distante e pequeno município de Feijó-Acre,
banhado pelo rio Envira. Bonita imagem, evento muito relevante. Penso em
escrever sobre isso... pra que? Boa pergunta. Talvez para registrá-lo nos anais
da história literária da minha vida? Afinal, é algo importante. Blupiiii... o zapweb me alerta para algo. Olho... é o mais novo vídeo de divulgação
da 3ª Conferência Indígena da Ayahuasca onde um jovem bem ‘apessoado’, Bem Meeus,
nos fala sobre a importância desse evento, em mais um material visual de
promoção.
Tuinplin.....! Soa o alerta sonoro do
Facebook para algo postado.... vou lá! Nos fones de ouvido ouço uma versão em
jazz para a música Nothing Else Matters.
Olho a postagem... é o amigo Tashka Yawanawá sendo marcado em um importante
evento em Nova York onde a imagem o mostra caminhando nas ruas, em uma grande
manifestação pelo clima: Today Religions
for Peace International took part in the Climate March of New York – É a
mensagem estampada na mensagem. Sim, é algo importante e relevante, fico lendo
as postagens e mando uma mensagem para ele, acertando um papo para a próxima
semana quando ele voltar dos Estados Unidos.
Uma melodia ecoa nos meus ouvidos. Que lindo! Uma versão ‘anos
de 1912’ da canção Girls Just Wanna Have
Fun: Chego em casa com o nascer do
sol, minha mãe diz: Quando é que você vai viver sua vida direito? – É a
mensagem cheia de melodia que me invade a percepção... Blupiiii... o zap chama... olho...
Pukeshaya Shanenawa me dá boa tarde e iniciamos um papo interessante, cheio de
informações sobre a conferência da ayahuasca. Blupiiii... Francisco Piyãko chama, informando que está gravando o vídeo
para divulgação da conferência... Blupiiii...
Xiti Nukini manda uma mensagem informando que vai sim na conferência... Blupiiii... Daiara Tukano manda um excelente
vídeo para divulgação da conferência. Blupiiii... Blupiiii... Blupiiii... Blupiiii... A coisa engatou agora... o zap não para.... Blupiiii...
Ainda no mesmo canal do YouTube ouvindo e escrevendo.... tanananarãããã é o som esquisito do meu
celular me avisando que estão me ligando. Olho, e um nome brilha na tela: Benki
Ashaninka. Opa, preciso atender: Oi
shere... beleza??? – E inicia-se um papo sobre a construção dos espaços no
Instituto Yorenka Tasorentsi, para receber a conferência indígena da ayahuasca.
Blupiiii... Blupiiii...! Tuinplin.....! Tuinplin.....! Tuinplin.....! .... tanananarãããã! .... tanananarãããã! .... tanananarãããã!
Blupiiii... Blupiiii...!!! – O mundo
de sons da existência virtual me preenchem a audição juntamente com a melodia de mais uma canção.
Coisas importantes acontecendo no ‘mundo indígena’, e eu sendo puxado para ele.
Posto algo importante no Facebook. Ninguém vê, normal, afinal é algo importante.
Na timeline, logo abaixo de minha
postagem, vejo que compartilharam uma cena horrível, de uma pessoa espancada...
75 comentários, seguida de outra postagem de uma cacatua se escondendo numa
caixa, que lindo! Milhares de ‘curti’ e 98 comentários... Outra postagem:
Daiara Tukano aparece enorme e brilhante na tela, ela vai fazer uma palestra.
Segue mais uma postagem, agora a respeito de um político muito em voga
ultimamente, com seu jeito truculento e surreal gera uma rusga terrível entre
os comentários.... Outra postagem, agora sobre um movimento em prol da proteção
ambiental e o uso de plásticos, zero comentários, doze ‘curti’.
Creio que o mundo, e todos estão de saco cheio de coisa que
importam ou são relevantes, com certeza. Não os culpo, afinal o mundo que nos
cerca não nos dá muita opção mesmo.
Mas, quer saber? Vou continuar na irrelevância e ‘desimportância’
do que realmente é importante, acho melhor, afinal, depois que me encantei com
o colorido e plural ‘mundo indígena’ fui meio que transportado para outro tipo
de existência, como se tivesse ingerido a pílula vermelha ofertada por Morpheus.
Prefiro esse mundo.
Que lindinho: um vídeo de um pet vestido de bailarina!!!
Blupiiii... Blupiiii...! Tuinplin.....! Tuinplin.....! Tuinplin.....! .... tanananarãããã! .... tanananarãããã! .... tanananarãããã!
Blupiiii... Blupiiii...!!! – Opa,
pera! Peço desculpas, queridos e poucos leitores, preciso dar atenção a coisas
aqui que, certamente enfadariam muitos nas minhas redes sociais... Em breve vamos ter a 3ª Conferência Indígena da Ayahasuca, e preciso agitar umas coisas aqui. Não
precisam compartilhar esse texto não, certamente ninguém dará atenção mesmo, pois é
difícil concorrer com o político louco e a cacatua... Cara, essa cacatua é
sinistra...
Boa semama a tod@s,
* Cozer lentamente.
Jairo Lima é indigenista, graduado em Pedagogia pela UFAC, com especialização em antropologia. Atua há mais de vinte anos junto aos povos indígenas do Acre e desde 2012 é servidor da FUNAI, na região do Juruá, Acre.
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Imagem da capa do texto: Ramom Aquim.
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