segunda-feira, 23 de maio de 2016

PINUYA: EM TERRA DE ABUNDÂNCIA A CAIÇUMA É NA CUIA GRANDE

Pescando ao entardecer - Foto Assis Kaxinawá
Estamos iniciando mais uma semana.
No jornal, leio que uma frente fria tá chegando para refrescar nossos corpos e apaziguar nossos pensamentos. Lembro que, antigamente, quando o frio vinha se avizinhando os mais velhos diziam: lá vem a cruviana!
Fora dos limites do Aquiry, o Brasil continua em zaragata cultural e política, aspirando bons ventos de paz e tranquilidade. Fico aqui imaginando se uma boa rodada de rapé e uma sananga ajudariam nossos dirigentes a afastarem essa panema que tanto mofina e afeta nosso meio ambiente e a vivência de seus habitantes tradicionais.
Nesta semana que se inicia, assim como a que terminou, eventos muito interessantes estarão acontecendo no Vale do Juruá. Entre estes, dois se destacam: a Certificação do PRONATEC INDÍGENA e a Assembléia Extraordinária da FEPHAC.
As cerimônias de certificação das turmas dos cursos do “PRONATEC INDÍGENA”, um projeto piloto superbacana que uniu novas parcerias e sedimentou novos caminhos para os processos educativos nas comunidades indígenas do Acre, estarão ocorrendo nas Terras Indígenas Puyanawa (Mâncio Lima), Katukina do Campinas (Cruzeiro do Sul) e Colônia 27 (Tarauacá).

Também vai ocorrer a Assembleia Extraordinária da Federação Huni Kuin do Acre (FEPHAC), que reunirá as lideranças Huni Kuin das treze terras indígenas que compõem o que chamarei aqui de “Bloco Kaxinawá”. Na pauta, vários assuntos importantes como a definição do Estatuto do grupo e, o destaque  é a discussão e definição sobre a autorização ou não do bloco para a continuidade da publicação e venda do livro Una Isi Kayawa, mais conhecido como o “Livro da Cura” sobre o qual eu já escrevi anteriormente (clique aqui) e que, depois de seu lançamento gerou uma discussão profunda envolvendo FUNAI, a editora responsável pela publicação, o Jardim Botânico e as comunidades Huni Kuin.
É uma discussão muito boa e pode trazer balizas interessantes que nortearão o processo de acesso, registro e publicação de obras que tratam sobre a cultura e conhecimentos dos Huni Kuin. O ponto central da questão é a seguinte: a publicação de materiais que tratam de aspectos e conhecimentos culturais que são comuns a todas as comunidades Huki Kuin e que sua utilização pressuponha ganho financeiro a terceiros (editores, cineastas, etc) e não beneficie a todas as comunidades, pode ser autorizado somente por um grupo que esteja diretamente ligado à execução do projeto ou é necessário haver um consenso entre todas as terras indígenas? Que tema interessante!
Aldeia Pinuya - Foto Ramalho Martins
Este importante evento estará acontecendo de 24 a 27 de maio na aldeia Pinuya, Terra Indígena Kaxinawá da Colônia 27, comunidade indígena sob influência do rio Tarauacá.
Assim, além de destacar este evento, aproveito a conveniência para escrever um pouco mais sobre esta Terra Indígena e os Huni Kuin que a habitam.
Esta é a menor terra indígena do Acre, com cerca de 305 hectares e com peculiaridades bem interessantes (clique aqui). Mas o ponto que quero abordar e que acho muito interessante é como esta comunidade está se transformando em referência onde ocorrem eventos da agenda indígena na região de Tarauacá, assim como a TI dos Puyanawa é para Cruzeiro do Sul. Também, seus processos internos de organização, gestão e territorialidade estão igualmente tornando-se referência. Sua única aldeia chama-se Pinuya.

Semana passada estava eu fumando meu cachimbo e lendo o texto “Acreanos Forever”, do historiador Marcos Vinícius, quando meu telefone tocou, a foto sorridente já bastante conhecida do cacique Assis Txanamashã apareceu na tela enquanto o som do toque teimava em continuar. Atendi e escutei a voz e a saudação já bastante conhecida e muitas vezes ouvida: “Ei papai FUNAI é o Assis”! – como sempre, atendi com alegria por falar com esta figura, ex-aluno meu nos antigos cursos de formação de professores no início dos anos 2000.
Tratamos de pormenores antes de entrar no assunto principal do papo, costume indígena que acho muito legal, pois coloca num contexto o assunto principal a ser tratado. No caso deste telefonema tratava-se do apoio para a construção de um novo refeitório que daria mais comodidade para os visitantes ocasionais e os participantes dos eventos que viriam, como este da FEPHAC. Ao final do papo, enquanto definíamos acordos e demais encaminhamentos o Txanamashã falou: “Pois é txai, é bom contar com os parceiros né?” respondi a ele: claro Assis é bom ajudar uma comunidade organizada como a de vocês! A terra de vocês até parece a Suíça de tão organizada txai!”. Rimos e desligamos o telefone.
Realmente, conhecer esta comunidade e seus habitantes, observar como desenvolvem seus projetos e interagem em relação à própria cultura e ao dinamismo desta para com as demais influências e interferências da “cultura dos nawá”, nos dá uma ideia de como é possível haver desenvolvimento, organização e reforço cultural tendo como base a unidade em torno da organização tradicional e de liderança, representada pelo Shane Ibu (“pai” ou “dono do território/aldeia” segundo me explicou o Prof Dr Joaquim Maná Kaxinawá). Figura que comumente chamamos de cacique.
Assis Txanamashã e Manoel Maná - Foto Assis Kaxinawá
Na comunidade Pinuya esta figura de liderança está ligada a duas pessoas muito queridas, inspiradas e inspiradoras: Manoel Gomes Maná e Assis Txanamashã.
Conversar com o professor Manoel Maná é ser brindado com um papo riquíssimo, de reflexões profundas e forte senso político e social, bem como de visão clara de espiritualidade e de um conceito raro de meritocracia. Recentemente a comunidade homenageou este professor pela passagem da data de trinta anos da chegada do mesmo a aldeia. Festa grande com
Noke Koi se apresentando na festa - Foto Assis Kaxinawá
convidados de outras terras indígenas e autoridades políticas que se misturaram como um povo só e comungaram do alimento espiritual e material. Vale destacar que o professor Maná é presidente da Organização dos Povos Indígenas do Rio Tarauacá (OPITAR) e que, recentemente esteve com uma pequena comitiva visitando e levando sua palavra a grupos parceiros em outros Estados do Brasil. Até hoje não entendo porque este me chama de professor quando, na verdade, é ele quem me propicia momentos de puro aprendizado quando conversamos.
Já o professor Assis Txanamashã, meu querido “aluno”, a quem dediquei cinco anos de minha vida pedagógica, além de uma figura alegre e trabalhadora é dotada de uma luz que a olhos leigos pode até passar despercebida, mas, para os atentos, esta luz pode chegar até a ofuscar. Sua liderança e preparo para encabeçar os trabalhos e projetos da comunidade são de dar inveja a muitos gestores pavoneados que vemos por aí. Sempre à frente dos trabalhos da comunidade também desempenha a função de principal divulgador do cotidiano da aldeia, pois, quem o segue pelas redes sociais pode conhecer muito da dinâmica e dos trabalhos desenvolvidos, bem como dos desafios e vitórias diárias.
Produção de açaí - Foto acervo Assis Kaxinawá
É muito comum vermos o Txanamashã mostrando a produção de frutas, legumes, peixes e outros produtos,  sempre em grande abundância. Tem registro dos artesanatos produzidos; das constantes visitas recebidas; das sessões de huni aos sábados e que contam com participação de visitantes ilustres como políticos do município e de almas à procura de
Foto - Assis Kaxinawá
iluminação, cura e aprendizado; também podemos ver a labuta para vencer o ramal de acesso à comunidade, quase intrafegável durante o impiedoso inverno amazônico e cuja a abertura definitiva é uma das principais reinvindicações da comunidade. Também é possível sentir o “buxo roncar” ao vermos os verdadeiros banquetes que são feitos na comunidade. É possível, sem forçarmos nossa imaginação, vivenciar e se alegrar com os momentos mais singelos da vida social e familiar, como o contato com os filhos, os netos, a esposa, a necessidade de ir ao médico, etc. Acreditem que olhando as postagens, chego até “ouvir” a mulherada conversando e
Descascando atsa - Foto Assis Kaxinawá
rindo enquanto descascam macaxeira ou quando estão cozinhando um baka (peixe) uma takara (galinha) ou preparando um delicioso mani mutsa (mingau de banana).
E o que dizer sobre os demais membros desta comunidade?
Em minha opinião estes refletem diretamente os atributos suas lideranças. São respeitosos, educados nos padrões tradicionais do povo Huni Kuin, espontâneos, alegres nas festividades e extremamente zelosos em suas cerimônias tradicionais. São trabalhadores e se esforçam muito em contribuir com o desenvolvimento da comunidade.
Dá gosto de ver e ouvir o grupo musical local, Pinu Huia Keneya que vem se destacando pelas apresentações junto ao coral do IFAC/Campus Tarauacá e em outros espaços
Pinu Huia Keneya - Foto Tião Viana
também.
E o que dizer desta comunidade como um todo?
Com certeza você, leitor de Rio Branco ou Tarauacá, já deve ter consumido banana ou ostentado algum artesanato produzido nesta comunidade. Eu mesmo tenho uma peça que gosto muito e que enfeita minha sala: a cabeça de um inu (onça) feita em madeira, resultado do curso de artesanato promovido pelo IFAC no projeto piloto “PRONATEC INDÍGENA”.



Caiçuma na cuia grande
É uma terra que produz muito e que, apesar de seu tamanho, provê seus habitantes. Habitantes estes que são verdadeiros exemplos de como desenvolver um projeto de gestão do território e usufruir de seus recursos. Fico pensando em como seria se conseguissem aumentar sua terra.
Realmente é uma área pequena, rodeada de fazendas e empreendimentos diversos (frigoríficos, loteamentos, etc) o que nos propicia a sensação de estarmos em um verdadeiro oásis de paz e cultura, de natureza e equilíbrio. Dormir lá, embalado ao som da natureza e absorto em seus odores naturais, nos faz pensar duas vezes antes de voltarmos ao ritmo babélico e melindroso de nossa própria “comunidade”.
Olho para minha surrada mochila de viagem desejando vê-la em ação em breve. Percebo que a TV está ligada, derramando as mazelas políticas e sociais que insistem em invadir minha sala e tentam penetrar em minha mente. Olho de relance as notícias e uma certeza se forma em meu pensamento: nosso Brasil deveria parecer e funcionar como a aldeia Pinuya.
Boa semana a tod@s!

Outras imagens feitas pelo Assis e que são de encher os olhos:


Colhendo pimenta de cheiro
Colhendo a produção para levar a Rio Branco
Meninada se diverte com os pescado


Comendo cana


Produção de artesanato no curso PRONATEC
Caiçuma na cuia grande


Prof Manoel Maná e o vice prefeito de Tarauacá Chagas Batista


Entardecer na Pinuya




Um comentário:

  1. Jairo que leitura prazerosa tem nos proporcionado, rica em detalhes e imagens. Sempre nos levando a conhecer e valorizar esse "mundo indígena". Já estou aguardando a nova postagem.

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