No
jornal, leio que uma frente fria tá chegando para refrescar nossos corpos e
apaziguar nossos pensamentos. Lembro que, antigamente, quando o frio vinha se
avizinhando os mais velhos diziam: lá vem a cruviana!
Fora
dos limites do Aquiry, o Brasil continua em zaragata cultural e política,
aspirando bons ventos de paz e tranquilidade. Fico aqui imaginando se uma boa
rodada de rapé e uma sananga ajudariam nossos dirigentes a afastarem essa
panema que tanto mofina e afeta nosso meio ambiente e a vivência de seus
habitantes tradicionais.
Nesta
semana que se inicia, assim como a que terminou, eventos muito interessantes
estarão acontecendo no Vale do Juruá. Entre estes, dois se destacam: a Certificação
do PRONATEC INDÍGENA e a Assembléia Extraordinária da FEPHAC.
As
cerimônias de certificação das turmas dos cursos do “PRONATEC INDÍGENA”, um
projeto piloto superbacana que uniu novas parcerias e sedimentou novos caminhos
para os processos educativos nas comunidades indígenas do Acre, estarão
ocorrendo nas Terras Indígenas Puyanawa (Mâncio Lima), Katukina do Campinas
(Cruzeiro do Sul) e Colônia 27 (Tarauacá).
Também vai ocorrer a Assembleia Extraordinária da Federação Huni Kuin do Acre (FEPHAC), que reunirá as lideranças Huni Kuin das treze terras indígenas que compõem o que chamarei aqui de “Bloco Kaxinawá”. Na pauta, vários assuntos importantes como a definição do Estatuto do grupo e, o destaque é a discussão e definição sobre a autorização ou não do bloco para a continuidade da publicação e venda do livro Una Isi Kayawa, mais conhecido como o “Livro da Cura” sobre o qual eu já escrevi anteriormente (clique aqui) e que, depois de seu lançamento gerou uma discussão profunda envolvendo FUNAI, a editora responsável pela publicação, o Jardim Botânico e as comunidades Huni Kuin.
É
uma discussão muito boa e pode trazer balizas interessantes que nortearão o
processo de acesso, registro e publicação de obras que tratam sobre a cultura e
conhecimentos dos Huni Kuin. O ponto central da questão é a seguinte: a
publicação de materiais que tratam de aspectos e conhecimentos culturais que
são comuns a todas as comunidades Huki Kuin e que sua utilização pressuponha
ganho financeiro a terceiros (editores, cineastas, etc) e não beneficie a todas
as comunidades, pode ser autorizado somente por um grupo que esteja diretamente
ligado à execução do projeto ou é necessário haver um consenso entre todas as
terras indígenas? Que tema interessante!
Este
importante evento estará acontecendo de 24 a 27 de maio na aldeia Pinuya, Terra
Indígena Kaxinawá da Colônia 27, comunidade indígena sob influência do rio
Tarauacá.
Aldeia Pinuya - Foto Ramalho Martins |
Assim,
além de destacar este evento, aproveito a conveniência para escrever um pouco
mais sobre esta Terra Indígena e os Huni Kuin que a habitam.
Esta
é a menor terra indígena do Acre, com cerca de 305 hectares e com
peculiaridades bem interessantes (clique aqui). Mas o ponto que quero abordar e
que acho muito interessante é como esta comunidade está se transformando em
referência onde ocorrem eventos da agenda indígena na região de Tarauacá, assim
como a TI dos Puyanawa é para Cruzeiro do Sul. Também, seus processos internos
de organização, gestão e territorialidade estão igualmente tornando-se
referência. Sua única aldeia chama-se Pinuya.
Semana passada estava eu fumando meu cachimbo e lendo o texto “Acreanos Forever”, do historiador Marcos Vinícius, quando meu telefone tocou, a foto sorridente já bastante conhecida do cacique Assis Txanamashã apareceu na tela enquanto o som do toque teimava em continuar. Atendi e escutei a voz e a saudação já bastante conhecida e muitas vezes ouvida: “Ei papai FUNAI é o Assis”! – como sempre, atendi com alegria por falar com esta figura, ex-aluno meu nos antigos cursos de formação de professores no início dos anos 2000.
Tratamos
de pormenores antes de entrar no assunto principal do papo, costume indígena
que acho muito legal, pois coloca num contexto o assunto principal a ser
tratado. No caso deste telefonema tratava-se do apoio para a construção de um
novo refeitório que daria mais comodidade para os visitantes ocasionais e os
participantes dos eventos que viriam, como este da FEPHAC. Ao final do papo,
enquanto definíamos acordos e demais encaminhamentos o Txanamashã falou: “Pois
é txai, é bom contar com os parceiros né?” respondi a ele: claro Assis é bom
ajudar uma comunidade organizada como a de vocês! A terra de vocês até parece a
Suíça de tão organizada txai!”. Rimos e desligamos o telefone.
Realmente,
conhecer esta comunidade e seus habitantes, observar como desenvolvem seus
projetos e interagem em relação à própria cultura e ao dinamismo desta para com
as demais influências e interferências da “cultura dos nawá”, nos dá uma ideia
de como é possível haver desenvolvimento, organização e reforço cultural tendo
como base a unidade em torno da organização tradicional e de liderança, representada
pelo Shane Ibu (“pai” ou “dono do território/aldeia” segundo me explicou o Prof
Dr Joaquim Maná Kaxinawá). Figura que comumente chamamos de cacique.
Assis Txanamashã e Manoel Maná - Foto Assis Kaxinawá |
Conversar
com o professor Manoel Maná é ser brindado com um papo riquíssimo, de reflexões
profundas e forte senso político e social, bem como de visão clara de
espiritualidade e de um conceito raro de meritocracia. Recentemente a
comunidade homenageou este professor pela passagem da data de trinta anos da
chegada do mesmo a aldeia. Festa grande com
convidados de outras terras
indígenas e autoridades políticas que se misturaram como um povo só e
comungaram do alimento espiritual e material. Vale destacar que o professor
Maná é presidente da Organização dos Povos Indígenas do Rio Tarauacá (OPITAR) e
que, recentemente esteve com uma pequena comitiva visitando e levando sua
palavra a grupos parceiros em outros Estados do Brasil. Até hoje não entendo
porque este me chama de professor quando, na verdade, é ele quem me propicia
momentos de puro aprendizado quando conversamos.
Noke Koi se apresentando na festa - Foto Assis Kaxinawá |
Já
o professor Assis Txanamashã, meu querido “aluno”, a quem dediquei cinco anos
de minha vida pedagógica, além de uma figura alegre e trabalhadora é dotada de
uma luz que a olhos leigos pode até passar despercebida, mas, para os atentos,
esta luz pode chegar até a ofuscar. Sua liderança e preparo para encabeçar os
trabalhos e projetos da comunidade são de dar inveja a muitos gestores
pavoneados que vemos por aí. Sempre à frente dos trabalhos da comunidade também
desempenha a função de principal divulgador do cotidiano da aldeia, pois, quem
o segue pelas redes sociais pode conhecer muito da dinâmica e dos trabalhos
desenvolvidos, bem como dos desafios e vitórias diárias.
Produção de açaí - Foto acervo Assis Kaxinawá |
Foto - Assis Kaxinawá |
Descascando atsa - Foto Assis Kaxinawá |
E
o que dizer sobre os demais membros desta comunidade?
Em
minha opinião estes refletem diretamente os atributos suas lideranças. São
respeitosos, educados nos padrões tradicionais do povo Huni Kuin, espontâneos,
alegres nas festividades e extremamente zelosos em suas cerimônias
tradicionais. São trabalhadores e se esforçam muito em contribuir com o
desenvolvimento da comunidade.
Dá
gosto de ver e ouvir o grupo musical local, Pinu Huia Keneya que vem se
destacando pelas apresentações junto ao coral do IFAC/Campus Tarauacá e em
outros espaços
também.
Pinu Huia Keneya - Foto Tião Viana |
E
o que dizer desta comunidade como um todo?
Com
certeza você, leitor de Rio Branco ou Tarauacá, já deve ter consumido banana ou
ostentado algum artesanato produzido nesta comunidade. Eu mesmo tenho uma peça
que gosto muito e que enfeita minha sala: a cabeça de um inu (onça) feita em madeira, resultado do curso de artesanato
promovido pelo IFAC no projeto piloto “PRONATEC INDÍGENA”.
Caiçuma na cuia grande |
Realmente
é uma área pequena, rodeada de fazendas e empreendimentos diversos
(frigoríficos, loteamentos, etc) o que nos propicia a sensação de estarmos em
um verdadeiro oásis de paz e cultura, de natureza e equilíbrio. Dormir lá,
embalado ao som da natureza e absorto em seus odores naturais, nos faz pensar
duas vezes antes de voltarmos ao ritmo babélico e melindroso de nossa própria
“comunidade”.
Olho
para minha surrada mochila de viagem desejando vê-la em ação em breve. Percebo
que a TV está ligada, derramando as mazelas políticas e sociais que insistem em
invadir minha sala e tentam penetrar em minha mente. Olho de relance as
notícias e uma certeza se forma em meu pensamento: nosso Brasil deveria parecer
e funcionar como a aldeia Pinuya.
Boa semana a tod@s!
Boa semana a tod@s!
Outras imagens feitas pelo Assis e que são de encher os olhos:
Colhendo pimenta de cheiro |
Colhendo a produção para levar a Rio Branco |
Meninada se diverte com os pescado |
Comendo cana |
Produção de artesanato no curso PRONATEC |
Caiçuma na cuia grande |
Prof Manoel Maná e o vice prefeito de Tarauacá Chagas Batista |
Entardecer na Pinuya |
Jairo que leitura prazerosa tem nos proporcionado, rica em detalhes e imagens. Sempre nos levando a conhecer e valorizar esse "mundo indígena". Já estou aguardando a nova postagem.
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