Sempre tive
a impressão de que, para ser um indigenista de verdade, era preciso
experimentar tudo o que a cultura indígena oferecesse. Claro que, ao longo dos
anos, descobri que esta premissa não necessariamente estava correta.
Assim,
entre estes experimentos culturais passei por várias situações inusitadas, que
muito me ajudaram a imergir cada vez mais neste mundo indígena.
Abaixo
segue a transcrição do meu diário de campo, de 2004, quando tive meu primeiro
encontro com as propriedades curativas da famosa “vacina do sapo”, o kambô.
Motivado
pela curiosidade em saber qual a sensação proporcionada por este veneno natural
que está causando tantas discussões e luta por direitos entre indígenas e não
indígenas resolvi experimentar as propriedades de tão exótico produto da
natureza. Assim, num domingo eu e Chere nos dirigimos para próximo do posto de
saneamento da aldeia (uma espécie de banheiro) na comunidade. Havia bebido dois
copos grandes de água co açúcar, pois, segundo Chere me instrui, isso serviria
para “ajudar a diluir todas as coisas ruins que tiver no corpo ou dentro dele”.
Em
seguida, munido com um pequeno pedaço de bambu, Chere fez três pequenas
queimaduras circulares em meu braço esquerdo.
Enquanto
aguardava a pequena queimadura criar uma bolha, ele me dava as orientações
espirituais e de comportamento necessárias para que me concentrasse junto com o
veneno, deixando claro que eu deveria manter a calma e que ele estaria ali para
ajudar no que precisasse.
Olhei
para ele e reparei sua expressão e me senti meio que desconcertado por estar
sendo instruído em coisas básicas como se eu fosse uma criança.
-
Calma txai, se preocupa não, eu aguento! – Falei, mostrando uma confiança que
era só de fachada.
Formada
a pequena bolha na pele, rapidamente, Chere, usando a unha, arrancou-a e, de
uma pequena lâmina de madeira onde havia um liquido meio que cristalizado,
retirou uma pequenas gominha que misturou com sua saliva, fazendo três pequenas
bolinhas que colocou sobre cada circulo da queimadura em meu braço. Eu estava
sentado.
Menos
de cinco segundos depois meus batimentos cardíacos começaram a acelerar
A
pequena queimadura em meu braço começou a latejar como se houvessem inúmeras
agulhas perfurando o local, a coisa parecia estar tomando vida própria.
Tentei
olhar pra frente e após alguns instantes senti uma forte vertigem que quase me
levou a vomitar, o que, na verdade tentei sem sucesso. Nisso eu já estava
literalmente de quatro no capim, “enguiando” e sentindo fortes contrações
dentro do estômago.
Minhas
pupilas dilataram-se e passei a notar que a luminosidade ao meu redor tornou-se
muito forte a ponto de sentir-me totalmente ofuscado pela luz do sol.
Senti
um forte calor, como se eu estivesse queimando por dentro, isso me fez começar
a suar bastante e notei que parecia que eu estava derretendo pois fiquei
totalmente molhado de suor.
Um
tremor tomou conta do meu corpo e nesta hora não esperei para ver o que viria
em seguida, pois, num esforço enorme pedi ajuda ao Chere que intervisse e este
prontamente lavou o meu braço, retirando as gominhas de veneno. O mal estar
quase que automaticamente cessou, desaparecendo totalmente em poucos segundos.
Perguntei
quanto tempo tinha demorado a “sessão”, pois imaginei que minha agonia havia
durado uns trinta minutos. Para meu espanto o Chere me disse que não tinha
chegado nem cinco minutos e rindo finalizou: achei que você não durava nem um
minuto.
Seguindo
a orientação previamente recebida antes da “vacina” fui tomar banho,
descartando ao final a roupa que estava usando antes, pois pelo que havia sido
orientado, muita coisa tinha saído de mim através do suor e do pouco que
vomitei. Assim, minha roupa tinha ficado impregnada por esta “coisa” ruim que
estava dentro de mim e do meu espírito. Então, o melhor seria eu me livrar
disso, lavando meu corpo e me desfazendo destas roupas.
Após
a devida limpeza, fui deitar na minha rede onde fiquei por um bom tempo, pois
tinha ficado muito cansado e sonolento.
Acordei
pouco tempo depois com uma energia muito forte, como se estivesse circulando eletricidade em minhas veias. Fiquei tão empolgado que resolvi ir caminhar ao
final da tarde na BR 364, que estava sendo asfaltada por um grande números de máquinas. Sentia-me ótimo, mas
prometi para mim mesmo que não procuraria repetir a dose desta vacina.
Jairo Lima
Muito interessante o relato dessa sua experiência ,tenho certeza que não tenho coragem de experimentar essa medicina do Kambo.
ResponderExcluir