Tata Txanu Yawanawá: Foto: Tashka Yawanawá |
“Revisitando a
memória de um sonho”
Por: Dedê Maia
Em setembro de 2015 fui convidada por Tashka, coordenador
da ASCY – Associação Sociocultural Yawanawá - para participar de um “sonho” seu
e de Laura, sua companheira, que envolvia as crianças, o qual o batizei de “Território Brincante das Crianças Yawanawá”
durante sua elaboração.
Mais que um desafio foi prazeroso contribuir e sonhar
junto esse sonho do Tashkã e da Laura.
O universo infantil indígena, embora eu não tenha, ao
longo do meu trabalho como indigenista, me debruçado exclusivamente a este tema, ele sempre me encantou e sempre esteve presente durante a minha trajetória entre as
diferentes Terras Indígenas, quando assessorava os professores indígenas das
escolas da floresta, através do “Programa
de Educação: Uma Experiência de Autoria”, da Comissão Pro-índio do Acre
(CPI/AC).
Este universo nos leva a refletir pelos diferentes e
muitos aprendizados que passamos ao longo da vida como: que o aprender e o
fazer acontecem das mais variadas formas e em diferentes momentos, e em
diferentes tempos e; que os conteúdos destas aprendizagens e com quem se
aprende também é diverso em cada lugar.
Aprendi muito com os professores indígenas, através de
nossas infinitas conversas durante minhas tantas e tantas viagens. E nestas
viagens, foi observando o cotidiano das famílias que acabei mergulhando nesse
universo tão mágico e encantador.
As crianças indígenas aprendem muita coisa com seus pais
e parentes mais próximos, como os irmãos e avós. Os conhecimentos podem ser
transmitidos durante as atividades do dia a dia ou em momentos especiais, como
durante festas e rituais.
Criança Yawanawá - Foto: Tashka Yawanawá |
A observação e o fazer junto são determinantes nesta
aprendizagem: observam atentamente o que os mais velhos estão fazendo ou
dizendo; acompanham seus pais até a roça; vão pescar com os adultos. E nesses
momentos sempre brincam muito!
No entanto é através das brincadeiras, que aprendem
habilidades que serão importantes para sua vivência na aldeia, como saber
caçar, pescar, fazer pinturas no corpo, fabricar arcos e flechas, potes,
cestos, cantar durante seus rituais e suas festas.
É através deste processo de observação/fazer
junto/brincar, que as crianças indígenas aprimoram as técnica necessárias para
seus aperfeiçoamentos futuros, e muitos de fato se tornam excelentes caçadores,
artesãs, etc.
É na convivência com os mais velhos, que as crianças
indígenas também aprendem o jeito certo de se comportar socialmente dentro do
grupo e cedo aprendem a identificar a função e o parentesco que elas têm com o
grupo e como devem tratá-las. Desta maneira vão entendendo também qual o seu
lugar e a sua importância dentro desse grupo, quais os princípios que
determinam os comportamentos, e a importância de serem pessoas produtivas e
participativas dentro do seu grupo social. Para este aprendizado as crianças
são estimuladas e preparadas desde que nascem.
Como parte desta preparação, as crianças indígenas, logo
que nascem são protegidas, de diferentes formas. Sejam através de banhos,
pinturas corporais, e/ou medicinas específicas contra doenças. Mas todas a fim
de que cresçam com saúde, com disposição para as aprendizagens, inteligentes,
“sem panema” (sem azar) e cumpram sua função no grupo, que lhe foi determinado.
Esta é a infância tradicional das crianças indígenas.
É assim que foi “sonhado” o projeto “Território Brincante
das Crianças Yawanawá”, enriquecido ainda com as histórias, recheadas de
ensinamentos, que seus pais e avós lhes contam como parte de sua formação e
aprendizado.
Crianças Yawanawá - Foto: Tashka Yawanawá |
Neste povo, as histórias infantis do universo cosmológico
têm um espaço relevante no processo de aprendizado e formação de suas crianças,
como bem me afirmou Tashkã em uma de nossas muitas conversas, quando ele me
falava também da importância desse sonho para revitalizar essa cultura...não deixa-la
morrer! Essa também era a preocupação de seu pai, nosso saudoso e grande liderança
Raimundo Luiz Yawanawá, também conhecido como Tuikuru Yawanawá.
Entendi pelas maravilhosas explicações do Tashkã que as
histórias os ajudam a definir o lugar que as pessoas ocupam no contexto onde
habitam; expressam concepções que revelam a relação das pessoas com seres
encantados; trocam energias, conhecimentos, habilidades, capacidades e
apresentam seus personagens como fonte de renovação...uma recriação da vida!
Tradicionalmente, na vida cotidiana das culturas dos
povos originários, estas concepções orientam, dão sentido, permitem interpretar
acontecimentos e ponderar ações e decisões importantes.
Mudanças no processo de aprendizagem nestes universos culturais
vêm se evidenciando, à medida que o contato com a sociedade não indígena vai se
ampliando e se desenvolvendo.
Mariri das crianças - Foto: acervo Dedê Maia |
Hoje, em todas as aldeias, de todos os Povos, encontramos
a chamada educação escolar formal, decorrente da situação de contato com a
sociedade não indígena. Embora, no Estado do Acre estas escolas indígenas
tenham sido criadas e implantadas no final da década de 70, início da década de
80 pela Comissão Pró Índio do Acre, tendo como princípio, a valorização e o
respeito pela educação em que o índio recebe ou transmite no seu cotidiano
familiar, esta escola, na sua consolidação é hoje coordenada pelas Secretarias
de Educação (estadual e municipal) e vem mudando hábitos, tempos, brincadeiras,
interesses. Especialmente, entre crianças que estão próximas aos centros
urbanos. Creio que essa tem sido a preocupação de muitas lideranças e de muitos
professores de diferentes povos.
Os programas sociais de governo, que também se estendem
aos Povos originários são “incentivadores” nestas mudanças, pela condição de
mobilização sistemática que eles impõem, tirando famílias inteiras de suas
aldeias e levando-as a cidade para receber tais benefícios, afastando-as dos
seus terreiros por longos períodos de tempo.
Prof Nani Yawanawá - Foto: Tashka Yawanwá |
A “Associação
Sociocultural Yawanawá” embora
entendendo que a cultura não é estática, e assim me esclarece o seu
coordenador, meu querido amigo Tashkã, possui uma dinâmica, aonde ela vai se
transformando com o passar dos tempos, como por exemplo, introduzindo novas
linguagens e novos instrumentos e suportes de expressão artístico-cultural. No
entanto, considera os conhecimentos originários importantes, e a base da
formação da identidade étnica do seu povo: “E
a música... Os cantos... As histórias... Trazem muitos ensinos! Muitos dos
nossos conhecimentos tradicionais estão nas nossas histórias... as crianças
precisam aprender os ensinamentos de nossas histórias ancestrais!” – explicou-me.
Desta forma, junto aos seus projetos econômicos, a ASCY
também se propôs a se debruçar sobre projetos de pesquisa e incentivos às
práticas culturais dentro de suas escolas, dentro de seus terreiros brincantes.
E o projeto “Território Brincante das Crianças Yawanawá” foi um deles, tendo como
objetivo principal incentivar o conhecimento e o modo tradicional de
aprendizado das crianças da comunidade, tendo este aprendizado através das histórias
tradicionais infantis.
O projeto em sua primeira etapa, setembro de 2015,
consistiu no levantamento de algumas histórias, mas sobre tudo na identificação
dos potenciais existentes como ilustradores, entre alunos de sete aldeias que
compõem a T.I. Rio Gregório, onde vive o povo Yawanawá.
Dedê, Kboco e Laura subindo o rio Gregório - Foto: Tashka Yawanawá |
Tashkã me mostrou as histórias recontadas por Tata Txanu*,
ancião e pajé da comunidade, gravadas em seu idioma original e traduzidas para
o português pelo professor Nani. Constatei que tínhamos uma riqueza para as
crianças e jovens ilustradores Yawanawá. E assim, em junho de 2016 começamos o
trabalho, durante a oficina de ilustração das histórias tradicionais infantis
escolhidas.
Durante o projeto tive como parceiro o artista plástico
Marcio Medanha de Queiroz, que assina suas obras com o nome artístico “Kboco”, e
por tanto, assim nomeado nesse texto.
Não conhecia o Kboco e nem conhecia a sua obra. Apenas
através de algumas conversas com Tashkã e Laura, quando tratávamos sobre a
continuidade do projeto fui informada sobre esta parceria, a fim de “contribuir com sua experiência e com orientações com relação às proporções, cores e
detalhes dos desenhos indígenas, e na edição e finalização do livro”.
Lançamento do livro na aldeia Matrinxã - Foto: Tashka Yawanwá |
No entanto, só após a nossa chegada a Terra Indígena,
quando nos preparávamos para dar início à oficina, através do seu livro, que me
foi presenteado pelo próprio Kboco foi possível conhecer um pouco mais o
trabalho deste artista plástico contemporâneo, mas que me remete em suas obras
(desenhos e pinturas) há um tempo ancestral e de infinitas percepções e
sensações visuais e espirituais.
De cara senti que faríamos uma boa parceria. Como de fato
fizemos. A parceria foi se estabelecendo naturalmente. Relações humanas mais humanas, digamos assim.
E foi em clima de alegria pela missão cumprida, com
planos e perspectivas futuras possíveis para a continuidade do projeto, que
finalizamos a Oficina de Ilustração das Histórias
Tradicionais Infantis Yawanawá, que posteriormente tornou-se um livro,
recentemente lançado, com festa na aldeia Matrinxã, na Terra Indígena Rio
Gregório.
Ver hoje esse livro publicado, nas mãos de professores e
alunos Yawanawá é prazeroso e compensador a todos os obstáculos na travessia
desse caminho. Um sonho que sonhamos junto com as crianças, professores e seus
idealizadores.
Que venham outras histórias! Que venham outros sonhos!
Nesse e em outros territórios brincantes das crianças dos povos originários.
São territórios mágicos! Encantados e Encantadores!
Mais informações
sobre o livro: tashkayawa@gmail.com ou (68) 999615837
Dede
Maia é indigenista acreana. Sua trajetória de vida mescla-se com a história do
indigenismo acreano. Junto com grandes
indigenistas como os Txais Terri e Antonio Macêdo ajudou a construir o que hoje
chamamos "a história do Acre
Indígena" . Mesmo
desenvolvendo vários projetos diferentes em sua trajetória, sempre se destacou
como incentivadora e apoiadora do processo de fortalecimento da cultura tradicional
em sua expressão artística e material, sendo autora, coautora ou participante
de um-sem número de projetos voltados à esta frente indigenista.
Maravilhoso!
ResponderExcluirLindezaaaa!!!
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