Por: Jairo Lima
Está claro para os que olhos têm que o nosso mundo está cambaleando entre o precipício e as trevas da ignorância. Mas, se pensarmos melhor, o mundo sempre esteve assim, só que mais nuns tempos e menos noutros.
Aqui no mundão do Aquiry indígena (e de seus satélites) não poderia ser diferente e, por vezes, as águas turvas desse rio caudaloso da rotina diária se agitam quando as marolas as comandam, em geral ocasionadas por alguns desavisados que em suas diatribes resolveram opinar ou, mais grave, apontar para onde não deviam, já que, pelo teor do conteúdo que usam como munição, com certeza, a caça que buscam abater sobre estes se voltará e os derrubará.
Muita coisa andou rolando nestes tempos em que não sabemos em que focar nossa atenção, já que os jornais e todas as mídias existentes se esmeram em nos torrar a existência já sofrida e, por vezes pueril, com o circo político das polarizações bizarras e surreais que assolam a Pindorama, mostrando que do baú dos pesadelos nacionais sempre poderíamos nos surpreender, mesmo achando que o século XXI nos traria um ciclo de iluminação e evolução.
Do meu último texto para cá, nas parcas e minguadas conversas com os poucos que ainda perturbo com minhas conjecturas e visão caleidoscópica do mundo (como meu querido amigo Domingos Bueno), fui questionado sobre o que achava dos últimos acontecimentos que agitaram as redes e a ‘rádio cipó’, como o caso da apreensão de kambô e apetrechos indígenas com um figura durante um ritual; ou o milio-trezentésimo-biolioquilométrico caso de piração e abuso de algum ‘bicho-grilo-do-mal’ agindo como pajelantra e iludindo as ovelhinhas carentes de afago espiritual e existência; ou sobre a frase direta e gramaticalmente correta e subjetiva que postei na minha página do Facebook, e que gerou um monte de comentários que não sei sobre o que tratavam; ou o mais recente caso de apropriação cultural de algum cantor ou grupo que usou canções indígenas para se apresentar por ai; ou, ainda, sobre o caso do suposto dirigente espiritual ayahuasqueiro que virou líder de um certo partido político; Etc. Sobre tudo isso dei minha opinião, mesmo que de nada valha, mas, ao menos anima o papo.
Mas, o que realmente me motivou perturbar vocês com a leitura deste texto? Algo realmente incrível por ser tão idiotamente irrelevante, mas que suscitou um acalorado debate nas redes e, também, suscitou o lado sombrio dos que se acham ‘do lado claro da força’.
Falo da mal escrita e preconceituosa reportagem do tabloide local que, de tão bizarro em suas colocações, além da visão preconceituosa e racista, deixou clara ser baseada em ilações vaporizadas de alguma carência de assunto e de identidade, já que o autor não teve coragem de assinar o que escreveu, preferindo esconder-se sobre as sombras de um termo que, para mim, significa nada mais que prova de que boa parte, senão a matéria inteira é fake: falo das reportagens (mesmo que minúsculas) onde em vez do nome de quem a escreveu lemos que quem a pariu foi “a redação”. O link está abaixo do texto, não vou me deter em seu conteúdo, até para não dar publicidade a mesma, já que não soma nada a este texto, pelo contrário, e sua não-utilização não o prejudica, já que o ponto aqui é outro, mas o cerne dessa matéria dizia respeito ao etnoturismo nas aldeias indígenas ter chegado: A hipocrisia daqueles que se colocam sob o manto da verdade e da militância em prol dos povos indígenas, e para isso infestam o ambiente das mídias sociais com postagens agressivas, preconceituosas, xenófobas, hipócritas, desencontradas, e burramente desinformada. Isso tem sido uma constante, infelizmente, vindo de pessoas que deveriam justamente agir de maneira contrária.
Nessa sana de se colocar acima de tudo, e a partir dessa altura derramar sobre todos a verdade, passa a atacar a todos, mostrando intolerância explícita (não confundir com posicionamentos em relação a algo) agredindo os símbolos, significados e os limites dos que se deparam com suas manifestações. O interessante é que, dos que assim observei as manifestações, muitos vivem e se usam da cultura indígena para manter seus negócios, suas rodas sociais, seus interesses e, em momentos como esse causado pela reportagem, tal qual o personagem da música “Defunto Caguete”, do saudoso Bezerra da Silva, que em determinado trecho cita como o “indicador do defunto tremia” apontado para o interlocutor. E assim com o indicador (e os demais dedos) substituindo a língua, passa a agredir a todos através de suas redes de contato social tremendo enquanto aponta para todos os lados. Triste isso. Mas, que raios isso tem a ver com os povos indígenas? Repondo: Tudo.
Até nisso as lideranças indígenas que se manifestaram nos deram uma verdadeira aula de como proceder e responder a altura. Cito aqui alguns: Tashka Yawanawá, Iskukua Yawanawá, Benki Ashaninka e Ninawa Huni Kuin. Estes deram o tom da resposta, com inteligência, conteúdo, sabedoria e altivez (abaixo o link de uma destas). No caso do Ninawa, como representante maior da federação de seu povo, protocolou junto ao Ministério Público Federal uma queixa contra o teor da patuscada jornalística. Isso nos ensina muito, principalmente a lição: Se não tem nada a dizer, que te cales! Afinal, nada soa tão ridículo quanto ver reproduzido nas ações e manifestações dos contraditórios os mesmos procedimentos arcaicos e mesquinhos dos detratores.
Como bem diz minha prima: Fica a dica aí, malandro (a).
- Mas, Jairo, tu está endo agressivo nesse texto. Tá fazendo igual a aqueles que você está criticando! – O (s) caguete (s) certamente vai (ão) citar em algum momento.
Respondo de antemão: F****-se! Não tenho a altivez ou a sabedoria dos txais que aqui citei, mas, ao menos, em minha pequenez existencial guardo no silêncio e na observação, em vez de destilar sobre todos a mesma cascata de ódio e intolerância que empesteia nosso país nos últimos tempos.
Boa semana a tod@s,
PS.: Querida Dedê Maia, que sua saúde se restabeleça o mais rápido possível. Dedico a ti este texto, sabendo que, como aprendi com você, em nossa convivência indigenista: o que tem que ser dito ‘na lata’, que o seja, de maneira direta, por vezes e na medida do possível educada e, sempre, com o distanciamento necessário.
Links:
1) https://www.ac24horas.com/2019/11/27/turismo-indigena-atrai-gringos-dinheiro-e-drogas-para-as-aldeias-do-acre/
2) https://www.juruaemtempo.com.br/turismo-nas-aldeias-traz-autonomia-aos-povos-indigenas-afirma-lideranca/
Jairo Lima é indigenista, graduado em Pedagogia pela UFAC, com especialização em antropologia. Atua há mais de vinte anos junto aos povos indígenas do Acre e desde 2012 é servidor da FUNAI, na região do Juruá, Acre.
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Imagem da capa do texto: Ion David.
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