Criança Shanenawa- Foto: Andreia Farias |
Faz uma semana que se encerraram as eleições no Acre e
não posso negar o alívio de que essa obrigatoriedade desnecessária ficou para
trás. Não aceito muito bem este “cabresto” que nos é imposto.
Aqui na terra de Galvez sessenta e um candidatos
indígenas concorreram a vagas do legislativo e executivo. Destes, dez tiveram
êxito: um prefeito, um vice-prefeito e oito vereadores.
A vitória do prof Isaac Toto Piyanko Ashaninka para a
prefeitura de Mal. Thaumaturgo foi, sem dúvida, além de um marco histórico para
o movimento indígena acreano, a consagração de uma trajetória de vida repleta de
desafios e coroada de vitórias. Trajetória esta cultivada com muito zelo por este professor indígena que tive a oportunidade de conhecer no ano de 1999.
Mesmo dias depois do resultado das urnas, ainda era possível ver
manifestações e matérias jornalísticas falando a respeito de sua vitória.
Das primeiras associações indígenas até a estrondosa
vitória do prof Isaac, muitas barreiras foram transpostas e muitos preconceitos
foram vencidos. Quem acha que o Acre, por ser um Estado tão rico e conhecido pela
cultura de seus povos, não exista preconceitos e intolerância está muito
enganado.
Uma fala do Isaac, em entrevista após a vitória, mostra
bem isso: “Tentaram usar o fato de eu ser
índio contra mim. Falaram que eu iria dividir terras do município para os
indígenas e outras coisas, mas eu tentava informar a sociedade e desconstruir
essas mentiras”.
Pelo Brasil, a partir do monitoramento das redes sociais,
foi possível constatar vitórias de indígenas para as câmaras municipais.
Vitórias modestas, claro, mas com um significado importante para o movimento
indígena e indigenista.
Não me iludo achando que os resultados das eleições
trarão mudanças significativas para as políticas indígenas, mas também, não sou
tão jovem e cético para achar que essas conquistas não são importantes.
Num país continental como o nosso onde mudanças
políticas, culturais e sociais ocorrem lentamente e são sujeitas a todo tipo de
interferência e constantemente fragilizadas por interesses criminosos e
obscuros, o trato da questão indígena deve estar pautada, também, em conquistas
políticas.
Já citei em textos anteriores que vejo as chamadas
“políticas universais” cegas para a diversidade cultural e social dos povos
indígenas no Brasil. Cheguei, inclusive a citá-las, em alguns casos, como exclusivas
e preconceituosas. Isso gerou alguns incômodos, percebidos e devidamente
respondidos por mim nas mensagens que recebi.
É evidente o benefício destas políticas, mas ainda pecam
em não possuírem espaço para suas adequações à cultura indígena. Pelo
contrário, da maneira que se apresenta, é exigida que esta cultura é que se
adeque às exigências da lei.
Se olharmos com atenção, podemos detectar vários exemplos
das dissonâncias destas políticas para com a sociedade indígena. Nesta semana, reflito sobre uma destas políticas, mas aviso que o assunto não se encerra aqui, pois, voltaremos a este tema, no futuro.
Outro dia percebi uma celeuma entre participantes de um
fórum sobre a questão dos
benefícios ou malefícios do Programa Bolsa Família
para os povos indígenas, tendo como ponto de discordância uma reportagem que
mostrava os problemas vivenciados pelas comunidades do Xingu e que, a bem da
verdade, não se diferenciam muito do que ocorre em relação aos demais povos
indígenas no país.
Casal Huni Kuin - Foto: Assis Kaxinawá |
Os debates no fórum sobre os benefícios ou malefícios
deste programa, como o fluxo de famílias indígenas que se deslocam para os
centros urbanos, chegou a um nível onde os argumentos deram espaço para ataques
pessoais entre os participantes. Ao final, o assunto se esgotou sem que se
chegasse a uma reflexão construtiva positiva sobre o tema.
Eu “assisti” este debate com certo interesse, até porque,
coincidentemente, entre os estudos e pareceres que escrevo, tenho me dedicado a
um especificamente sobre este assunto para a procuradoria federal de Cruzeiro
do Sul, atendendo a contestação do povo Ashaninka do Rio Amônia quanto às
obrigatoriedades previstas para o acesso a este benefício.
Considero este um programa interessante, infelizmente o
espaço para adequação à sociedade indígena é ínfimo, resumindo-se, de maneira
geral ao processo de adequação para o acesso e etapas de cadastramento para
recebimento do benefício. Assim, não há um olhar ou adequação à singularidade
de cada povo ou, ao menos de cada região onde este programa é implantado.
Uma
questão que reforça o que exponho acima é a contradição quanto ao entendimento
dos conceitos de “extrema pobreza” ou marginalização a que as comunidades
indígenas possam estar sujeitas. Nisso, há de se considerar também a
“autoimagem” como parte da estima por si mesmo e para a valorização cultural.
Se o conceito de “marginal” e “extrema pobreza” for algo diretamente ligado aos
indígenas isso pode causar danos à sua herança cultural tradicional e, também,
à sua identidade. Sem contar a visão com que a sociedade envolvente os vê.
Vários grupos indígenas não se consideram “pobres” por
não apresentarem uma renda mensal, pois argumentam que sua riqueza está nos
bens que a natureza lhes oferece.
Ao mesmo tempo em que desejam serem inseridos no programa
do Governo Federal, muito embora de maneira diferenciada, vivenciam
intensamente esta contradição, pois, uma vez que se tornam beneficiários do
programa, estes não apresentam condições de abandoná-lo conforme a expectativa
de que a transferência de renda teria um caráter imediato e permitiria, a longo
prazo, a inserção do beneficiário no mercado de trabalho, tal como ocorre com a
população não-indígena, embora saibamos que este tema também merece maior
investigação.
A tal lógica – a de saída do programa – não se aplica à
população indígena. Esta discrepância ocorre porque iguala diversos grupos
populacionais com diferentes perfis visando um único caminho, linear, que
deveria ser trilhado e construído observando-se as especificidades de cada povo.
Em outras palavras, se a igualdade na condição de pobreza é a “porta de
entrada” para o Bolsa Família, a transformação destes em possíveis
trabalhadores, na lógica de mercado de trabalho da sociedade não-indigena,
seria a “porta de saída” do programa, expectativa que é frustrada quando se
trata da população indígena (e rural, acredita-se).
Assim, ao fazer parte do público que é beneficiário do programa,
as comunidades passam a depender cada vez mais daquela renda que é buscada
mensalmente sem que esta relação seja acompanhada de meios que promovam a sua
emancipação.
Criança Nukini - Foto: acervo FUNAI |
Entende-se que o Brasil Indígena é um mosaico de
diferentes situações e contextos. Se por um lado temos indígenas no Mato Grosso
(como os Guarani Kaiowá), passando por situações que os impele a esta
vulnerabilidade/ marginalização extrema em decorrência de sua luta fundiária e
social, por outro, temos comunidades, como algumas no Acre, que vem
desenvolvendo projetos de desenvolvimento comunitário próprios ou apoiadas pelo
governo federal e estadual. Por isso, é importante refletir quanto aos
conceitos que permeiam este Programa, bem como sua aplicabilidade às diferentes
situações deste “mosaico indígena”, já que os povos indígenas relacionam-se “entre
dois mundos” (indígena e não-indígena).
Creio que temos que ter cuidado com as generalizações, principalmente
quando analisamos questões tão complexas quanto este programa, pois temos
diferentes situações, regiões, populações, etc. O que, por si só, já restringe
muito o campo de visão e de análise da situação. O que pode ser bom para as
comunidades em algum município do MT ou do PR pode ser um problema para outras nos rincões
amazônicos, como no Acre.
Sem dúvida é
possível afirmar que em alguma medida o Programa tem contribuído para a
sustentabilidade alimentar da população, seja viabilizando a compra direta de
alimentos, seja proporcionando as condições para a compra de ferramentas e
instrumentos que são/serão utilizados na geração de alimentos (especialmente nos
roçados e na pesca).
No entanto, da maneira como está hoje, o acesso ao
benefício cria mais uma frente de desafios enfrentados por muitas populações
indígenas.
É premente haver mudanças estruturais neste
programa, e esse ponto, de certa maneira, já vem sendo observado, conforme
citado em um interessante documento intitulado “Estudos Etnográficos sobre o
Programa Bolsa Família entre Povos Indígenas”, produzido pela Secretaria de
Avaliação e Gestão da Informação do (no momento extinto) Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Neste estudo é citada a necessidade da
criação de um subsistema específico para este programa, com regras e
procedimentos próprios, e que esta criação ocorra com a participação dos povos
indígenas e suas representações.
Infelizmente, na atual conjuntura
efervescente da política nacional, não sabemos se este indicativo ainda está no
radar das intenções governamentais, ou jaz esquecida em alguma gaveta
ministerial.
Marke Matis, eleito vereador Em Atalaia do Norte/AM - Foto: Carta Capital |
A
meu ver, ao analisarmos situações que vem ocorrendo em muitos municípios,
principalmente nos localizados na Amazônia, há de se considerar também que o fluxo
de indígenas para os centros urbanos não é só por “culpa” do Bolsa Família, que
faz com que as famílias se desloquem para as cidades. Há de se levar em conta
outros fatores que, cada vez mais, contribuem para este deslocamento e, em
alguns casos, permanência das famílias no meio urbano: atendimentos de saúde,
resolução de problemas diversos (registro civil, busca por benefícios junto ao
INSS, etc).
Os diversos movimentos indígenas no Brasil
nunca deixaram de exigir do Estado e dos órgãos da Administração Pública
Federal a adequação, o aperfeiçoamento e a implantação de projetos e políticas específicas,
destinadas a assegurar os direitos conquistados pelos povos indígenas nos
últimos trinta anos.
Finalizando, creio profundamente que a garantia de
direitos conquistados e a transformação das políticas universais só serão
possíveis com uma intervenção política em prol destes povos, temas estes que
não vemos pautadas pelos representantes nas diferentes casas legislativas no
país.
Ao contrário, uma lida rápida nas pautas semanais do
congresso nacional faz com que sintamos um arrepio na nuca ou um frio na
barriga, pois se constatam os movimentos diretos ou indiretos da politicalha
nacional, que buscam solapar o pouco que se conquistou desde a promulgação da
Carta Magna de 1988.
Assim, quando vejo estas vitórias dos indígenas nas
eleições (veja matéria a respeito aqui), como as ocorridas neste ano, fico muito feliz e esperançoso de que este movimento se torne cada vez mais consistente e aumente , a ponto de chegar até as esferas federais de tomada de decisão, pondo definitivamente as questões indígenas na ordem do dia, com direito à defesa contra as investidas destes poderes ocultos e colonialistas que insistem na integração forçada dos povos indígenas a um padrão nacional que, se olharmos com atenção, não existem.
Mesmo estando divididos em diferentes partidos e
orientações ideológicas (PT, PMDB, PP, etc), devemos considerar que a presença
de indígenas nas câmaras municipais garantirá, além de um colorido e energia especial
ao ambiente, a representatividade indígena, que tanto faz falta nas câmaras
estaduais e federal.
Prof Isaac (primeiro à esquerda) - Foto: Acervo Isaac |
A vitória do prof Isaac Toto Ashaninka e dos demais
indígenas pelo Brasil assume uma simbologia especial, mais um sopro de
esperança, e registro aqui suas palavras: um
índio governar um município e os povos não-indígenas é uma alegria e um
privilégio. Existe muito racismo e preconceito contra nós indígenas. Acredito
que se eu fizer um bom governo, parte desse preconceito será eliminado, mas, se
fizer um mau governo, pode continuar existindo esse olhar diferenciado para os
índios.”
Pois é, prof Toto, desde que o conheci há dezesseis anos
sabia que a estrela que brilhava sobre você um dia serviria de farol para o
movimento indígena no Aquiry e, quem sabe, represente o início de sua caminhada
para além dos limites políticos deste Estado, chegando, se Pawa* assim
permitir, ao Planalto Central.
Boa semana a tod@s,
Jairo Lima
* Pawa – Divindade máxima dos Ashaninka (Criador do Povo Ashaninka).
Bom amigo Jairo Lima. É plenamente certo a informação passada pelos povos indígenas quanto o preconceito ainda existente contra suas etnias, mesmo sento diferentes povos indígenas de elevados valores tradicionais. No entanto Txai quando nos reportamos sobre tal preconceito sem fugir de realmente isto é um fato, temos que perceber que já alcançou-se grandes avanços no que refere aos direitos de cidadania destes queridos povos tradicionais que conhecemos muito bem. Graças a Pawa nossa luta tem possibilitado bons avanços e estes povos tem conquistado alguns bons benefícios. Por exemplo apesar do preconceito que sempre vai existir o querido Professor Isaac Piyãko como já esperávamos foi esmo eleito e com uma boa margem de votos em Marechal Thaumaturgo. o Vereador Nasso Kaxinawa da Terra Indígena Kaxinawá do Igarapé do Caucho foi reeleito em Tarauacá. O Vereador Raimundo Décio Kaxinawa também foi reeleito em Feijó. Já o companheiro e Cacique e Vereado Joel Puyanawa que já teve quatro mandatos consecutivos embora tenha feito muito por sua comunidade infelizmente foi traído por sua própria comunidade que desviou os votos que elegeria o Cacique para o Pastor Aureliano o (Preto) como é conhecido popularmente que não se elegeu mais conseguiu dividir a comunidade e de tal divisão saqueou quase 50 votos que elegeria o Cacique. Vejo nisso o mal causado pela Igreja Pentecostal instalada dentro da Terra Indígena contra o interesse da maior parte dos índios Puyanawa. Creio que ainda temos que trabalhar muito a organização social e comunitária das comunidades pois os interesses externos são muitos e muitas vezes perversos e não apenas preconceituosos. Ainda não Olhei como ficou as eleições no Jordão com relação aos candidatos Hunikuin. Também ainda não procurei saber sobre Santa Rosa do Purus mas, como se observa o Vale do Juruá contudo e apesar de Joel Puyanawa e Bertinho Nukini não terem alcançado a quantidade de votos para se eleger essa região foi trabalhada para alcançar seus maiores objetivos nas políticas publicas e inclusive nas eleições mais mesmo assim amigo velho vejo a necessidade de maior investimento na formação da consciência política dos povos indígenas. Sabemos que os não índios avançam na falta de organização interna das próprias comunidades indígenas. Refletindo, eu diria ao povo Puyanawa e ao povo Nukini que procurem fazer uma alto critica de seus próprios comportamentos diante da falta de coerência com seus pares medindo o prejuízo que alguns causam aos demais procurando apoiar gente de fora e estranhos as suas culturas tradicionais.
ResponderExcluirBom amigo Jairo Lima. É plenamente certo a informação passada pelos povos indígenas quanto o preconceito ainda existente contra suas etnias, mesmo sento diferentes povos indígenas de elevados valores tradicionais. No entanto Txai quando nos reportamos sobre tal preconceito sem fugir de realmente isto é um fato, temos que perceber que já alcançou-se grandes avanços no que refere aos direitos de cidadania destes queridos povos tradicionais que conhecemos muito bem. Graças a Pawa nossa luta tem possibilitado bons avanços e estes povos tem conquistado alguns bons benefícios. Por exemplo apesar do preconceito que sempre vai existir o querido Professor Isaac Piyãko como já esperávamos foi esmo eleito e com uma boa margem de votos em Marechal Thaumaturgo. o Vereador Nasso Kaxinawa da Terra Indígena Kaxinawá do Igarapé do Caucho foi reeleito em Tarauacá. O Vereador Raimundo Décio Kaxinawa também foi reeleito em Feijó. Já o companheiro e Cacique e Vereado Joel Puyanawa que já teve quatro mandatos consecutivos embora tenha feito muito por sua comunidade infelizmente foi traído por sua própria comunidade que desviou os votos que elegeria o Cacique para o Pastor Aureliano o (Preto) como é conhecido popularmente que não se elegeu mais conseguiu dividir a comunidade e de tal divisão saqueou quase 50 votos que elegeria o Cacique. Vejo nisso o mal causado pela Igreja Pentecostal instalada dentro da Terra Indígena contra o interesse da maior parte dos índios Puyanawa. Creio que ainda temos que trabalhar muito a organização social e comunitária das comunidades pois os interesses externos são muitos e muitas vezes perversos e não apenas preconceituosos. Ainda não Olhei como ficou as eleições no Jordão com relação aos candidatos Hunikuin. Também ainda não procurei saber sobre Santa Rosa do Purus mas, como se observa o Vale do Juruá contudo e apesar de Joel Puyanawa e Bertinho Nukini não terem alcançado a quantidade de votos para se eleger essa região foi trabalhada para alcançar seus maiores objetivos nas políticas publicas e inclusive nas eleições mais mesmo assim amigo velho vejo a necessidade de maior investimento na formação da consciência política dos povos indígenas. Sabemos que os não índios avançam na falta de organização interna das próprias comunidades indígenas. Refletindo, eu diria ao povo Puyanawa e ao povo Nukini que procurem fazer uma alto critica de seus próprios comportamentos diante da falta de coerência com seus pares medindo o prejuízo que alguns causam aos demais procurando apoiar gente de fora e estranhos as suas culturas tradicionais.
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