Por: Maria Luiza Pinedo Ôchoa
Dando continuidade aos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Pró Índio do Acre e associações indígenas na região do Alto Juruá, foi realizada no período de 28 de setembro a 10 de outubro, a II oficina de atualização do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu. A oficina permitiu discutir, refletir, atualizar informações e acordos que compõem o Plano, como também novas estratégias de proteção dos territórios e sustentabilidade dos recursos naturais, diante das diversas mudanças e desafios dos últimos anos que afetam os povos Huni Kuĩ e Ashaninka desta TI e comunidades que moram na Reserva Extrativista do Alto Juruá, na região de fronteira do Acre com o Peru.
A Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu e a Reserva Extrativista do Alto Juruá encontram-se no Município de Marechal Thaumaturgo. Nesse município, estão também as Terras Indígenas Jaminawa - Arara do Rio Bagé, Kampa do Rio Amônea e Arara do Rio Amônia, que limitam com o Parque Nacional Serra do Divisor – PNSD, formando um corredor ecológico de alta diversidade biológica sociocultural. Estas áreas encontram-se impactadas pelo crescimento demográfico, pelas transformações fundiárias e ambientais, pela ocupação desordenada e ilegal e ameaças existentes pela presença de madeireiros, caçadores, pescadores, outras atividades ilícitas e projetos de exploração de recursos naturais não renováveis.
Recentemente, mais uma ameaça chegou na região, quando, em dezembro de 2016, a Cooperativa de Garimpeiros de Ponte Lacerda, do estado do Mato Grosso, apresentou ao Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPN requerimento de lavra garimpeira, para a exploração de ouro, em uma área de 42 mil hectares, localizada nos municípios de Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima e Rodrigues Alves. Este requerimento foi indeferido pelo DNPN, mas somente veio a público quando foram suspensas as atividades de olarias e areais, que funcionavam dentro da área solicitada pela Cooperativa.
Consta no Sistema de Informações Geográficas da Mineração do DNPM, diversos requerimentos de empresas para exploração de ouro, diamante, alumínio, cassiterita, prata e estanho, na região do Juruá, em áreas localizadas dentro e próximos das Terras Indígenas. Em 1987 a empresa Explorer Mineração Ltda entrou com dois requerimentos de pesquisa para a identificação de prata, na TI Poyanawa, sendo os processos paralisados em 2001 e 2004 consecutivamente.
Para a prospecção e exploração de petróleo e gás realizada pela empresa Georadar Levantamentos Geofísicos, nove blocos foram submetidos a licitação, sendo somente o bloco AC-T-8 arrematado por 295 milhões pela Petrobras. Este bloco conglomera uma área da região do Juruá, entre os estados do Acre e Amazonas, onde estão localizadas as Terras Indígenas Nukini, Nawa, Poyanawa (AC) e Vale do Javari (AM). Em 2015 por ordem da Justiça Federal, foram suspensas, liminarmente, todas as atividades do processo de licitação referentes a esse Lote, assim como a outorga de contrato para a exploração e produção de petróleo e gás natural, por métodos convencionais, ou não convencionais, pela irregularidade dos estudos apresentados pela Agência Nacional de Petróleo, tanto do ponto de vista ambiental, quanto social. Dentre elas a ausência de consulta livre, prévia e informada às populações indígenas do Juruá.
Em território peruano, lotes petrolíferos foram concedidos às empresas multinacionais sobrepostos a territórios indígenas. Um dos casos foi a empresa PERUPETRO no processo de licitação do lote 169, sobreposto às comunidades indígenas do Alto Juruá e território de índios isolados na Reserva Territorial Murunahua, que limita com as Terras Indígenas Kampa do Rio Amônea, Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu e a Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Brasil. Em agosto de 2015, este lote e mais outros seis, foram suspensos a Licitação Pública para a outorga de Contratos de Licença para exploração e extração de petróleo. Esta suspensão foi por causa do baixo preço do petróleo e desinteresse das empresas. Em março de 2017 as comunidades indígenas peruanas estiveram reunidas, e por meio de um documento exigiram do Governo do Peru o cancelamento definitivo do Lote 169.
Sobre o desmatamento, no caso da Reserva Extrativista, a crise do extrativismo tradicional levou os moradores a buscar outras fontes de renda como agricultura, pecuária e a venda de madeira, resultando no aumento do desmatamento ao longo dos rios e a fragilização da segurança alimentar. Nos últimos anos, moradores da RESEX tem migrado para a sede do município de Marechal Thaumaturgo, gerando impactos sociais causados pela rápida ocupação urbana do município e falta de alternativas econômicas.
Diante desse contexto, os espaços de diálogos constituídos pelas comunidades da região têm permitido diversos acordos e estratégias para a gestão dos recursos naturais e da produção sustentável, contribuindo para atividades conjuntas de mapeamento das principais ameaças sobre seus territórios e discussões para planejar ações integradas de monitoramento e vigilância.
Nesta oficina as comunidades indígenas do rio Breu analisaram a situação em que se encontravam no ano de 2004 e como estão hoje com o aumento das aldeias e da população, além dos novos desafios vindo do entorno, que os leva a pensar novas estratégias de gestão. Ficou evidente de que as ações de monitoramento e vigilância não podem se dar apenas com as oito aldeias que estão dentro da Terra Indígena Kaxinawá /Ashaninka do Rio Breu, é importante e estratégico envolver as seis aldeias que se encontram na Reserva Extrativista do Alto Juruá, além de envolver as três aldeias peruanas. Ao todo o território é conformado por 17 aldeias com aproximadamente 185 famílias e 900 pessoas.
Nos treze anos que se passaram, após a realização da primeira oficina, de etnomapeamento, que resultou na elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena, mudanças ocorreram na ocupação do território e no uso dos recursos naturais. Na época, a TI era conformada por seis aldeias e estavam em processo de reorganização, pois havia pouco tempo que tinha sido demarcada. O outro lado do rio Breu, em território peruano, não havia famílias morando e, nem desmatamento da mata ciliar. Até então o lado peruano era considerado uma área de coleta de matéria prima para o artesanato, construção de casas e refúgio das caças das aldeias Morada Nova e Vida Nova. Também, não se tinha conhecimento suficiente sobre projetos de exploração de petróleo e gás na região.
O crescimento da população provocou o aumento dos roçados, mas o trabalho realizado pelos agentes agroflorestais indígenas junto a suas comunidades em relação ao manejo das capoeiras, enriquecidas por Sistemas Agroflorestais (SAFs), gerando uma variedade dos plantios nos roçados, mantendo a abundância dos produtos tradicionais (várias espécies de batatas, amendoim, macaxeira e milho) e de frutas, contribuem com a soberania alimentar das famílias.
Por meio dos intercâmbios os Ashaninka e Kaxinawá estabeleceram alguns acordos com as lideranças peruanas, como o uso das capoeiras velhas para os roçados e o plantio de mudubim (amendoim) nas praias. As madeiras derrubadas são ofertadas para as comunidades do lado brasileiro, enquanto que as caçadas e pescarias são permitidas quando acontecem eventos e festas tradicionais.
Esses acordos são estratégias indígenas que precisam ser consolidadas em longo prazo. É importante que essas estratégias ganhem espaços de diálogo político, sensibilizando o poder público para as iniciativas indígenas de gestão territorial e ambiental na fronteira, em andamento, seus desafios e dificuldades para a proteção, uso e manejo dos territórios indígenas.
No momento em que aconteceu no Acre o Encontro de Governadores do Brasil para colocar em pauta planos emergenciais de enfrentamento ao narcotráfico nas fronteiras e questões relacionadas à preservação do meio ambiente, em que os governos do Brasil e do Peru discutem mecanismo de vigilância e fiscalização, para a região, chamamos atenção para a vulnerabilidade das populações indígenas dessa fronteira diante dos ataques dos “narco madeireiros” que continuam agindo sem nenhuma medida eficiente das autoridades. Recentemente um Ashaninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia sofreu um atentado próximo à aldeia Apiwtxa, os rastros deixados foram vistos numa trilha, que se dirige até a linha desta fronteira. Um ofício denunciando a situação foi encaminhado pelas lideranças para as autoridades competentes. Não é a primeira vez que isso ocorre. Em 2014 quatro lideranças Ashaninka da comunidade Alto Tamaya - Saweto foram assassinados sem que seus assassinos fossem punidos.
Desde o início dos anos 2000, os principais pontos de pauta da fronteira tratados entre os governos de Brasil e do Peru, foram voltados para a integração binacional entre os dois países por projetos de construção de estradas ou de ferrovias. Também, diversos acordos foram firmados para a proteção da fronteira e vários espaços de diálogo binacional foram estabelecidos, mas logo foram deixados de lado. Desde sempre a pauta socioambiental e os diversos problemas existentes na região de fronteira, foram temas pontuais para ambos governos. Aqui no Acre, o Núcleo Estadual para o Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira do Estado do Acre (NEDIFAC), do Plano Brasil Fronteira, do Ministério da Integração Nacional, foi criado em 2012, mas não teve funcionamento efetivo, por ser um implicador para os interesses governamentais em seus planos de desenvolvimento da fronteira.
Sendo o Alto Juruá uma região rica e estratégica, que se encontra seriamente ameaçada, os governos têm a responsabilidade de não só demonstrar intenções, mas incluir em seus planos de governo ações concretas de vigilância e fiscalização, rever seus Programas de Desenvolvimento na fronteira, sem colocar em risco a sociobiodiversidade.
Considerando também que umas das formas de contribuir para proteção das populações indígenas e a conservação dos recursos naturais na fronteira são as oficinas e intercâmbios que a CPI-Acre realiza regularmente na região, atualiza, produz informações. Contribui para fortalecer alianças entre as comunidades, para a gestão territorial e ambiental de suas terras e para o posicionamento conjunto contra as ameaças da exploração de petróleo e gás, exploração de madeira e construção de estradas, que colocam em risco os territórios e a integridade física dos povos da região.
Maria Luiza P. Ôchoa (Malu) é arqueóloga, coordenadora do Programa Políticas Públicas e Articulação Regional, da Comissão Pró-Índio do Acre. Acompanha as discussões e desenvolve ações transfronteiriças junto aos povos indígenas e instituições brasileiras e peruanas. Atua há mais de 20 anos no indigenismo, tendo participado da elaboração e publicação de muitos livros didáticos e paradidáticos voltadas aos povos indígenas.
Créditos das imagens: Imagem 1 - Ashaninka, foto: Alessandra Melo; Imagem 2 - Ashaninka do Amônia, foto Alessandra Melo; Imagem 3 - Mulher Kuntanawa, foto Talita Oliveira; Imagem 4 - Ashaninka e Huni Kuin durante oficina transfronteiriça, na TI Rio Breu, foto Malu Ôchoa; Imagem 5 - Malu com representantes Ashaninka e da OPIAC durante a COP 20, em Lima - Peru.
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