quarta-feira, 29 de novembro de 2017

UM JOVEM SERINGUEIRO: Minhas aventuras juvenis nos rios de Tarauacá

Por: Txai Antônio Macedo

O marinheiro...

De meus 14 aos 17 anos de idade passei trabalhando como marinheiro nas embarcações da Empresa Leal Maia & CIA na cidade de Tarauacá. Era um tipo de embarcação conhecido na região como ‘batelão’, que pode chegar até vinte toneladas, como era o caso dos batelões: Ramos, Asa Branca e Canoa Muru. Havia também as ‘lanchas’ (barcos de grande porte), que iam de quarenta e cinco até sessenta toneladas,  como as lanchas Jaminawá (45 toneladas) e Rio Tauarí (60 toneladas). O trabalho consistia em subir e descer os rios e igarapés, percorrendo varadouros e varações. Nossa missão era abastecer cem seringais pertencentes à Empresa Leal Maia & CIA LTDA e muitos outros que tinham sua produção financiada por esta empresa. Era nossa missão: escoar a produção recebida dos seringais, transportando-a para a cidade de Tarauacá, de onde seguiria para Manaus e Belém.

Era uma missão espinhosa, cheia de dificuldades. Nós, por pura responsabilidade adquirida de berço, tínhamos que tomar conta e dar conta, sempre da melhor forma possível, mesmo que fosse trabalhando só mesmo na fé e na coragem, como se poderá observar no conjunto dos fortes e episódios que narrarei em seguida.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

CONFERÊNCIA INDÍGENA DA AYAHUASCA: desconstruindo a Torre de Babel...


Por: Jairo Lima

Passa-se um ano, novembro de 2017, numa roda de conversa entre sertanejos, sob o céu estrelado de Quiserademim, sertão do Ceará, seu Ariano Suçuarana, sábio ancião daquela comunidade camponesa, com seu afiado canivete corta troços de rapadura e distribui para os amigos em volta poderem degustar do doce alimento. E comenta: — Que povo diferente esses cientistas nacionais e estrangeiros. Pra conhecer o sabor da Rapadura, não basta provar?
O excerto acima é o arremate do texto publicado pelo professor Juarez Duarte no Jornal Grande Bahia, sob o título ‘1ª Conferência Indígena da Ayahuasca. Ayahuasca e rapadura’*,  além de bastante cômico, foi de uma genialidade ímpar ao aludir os contrastes entre a busca acadêmica/científica por explicações e o apreço/conhecimento derivado do simples fato de apreciar e ‘provar o sabor’ daquilo que se propôs a estudar/pesquisar.

Muita água passou por baixo da ponte nessas duas semanas que se passaram, desde que publiquei o último texto, cedendo lugar à querida Dedê Maia, que nos apresentou seu documentário Xinã Bena Beisikit Xarabu, que estreou em Rio Branco no último dia 19 de novembro e tem sua premiére indígena marcada para ocorrer durante a Conferência Indígena sobre ayahuasca, entre 13 e 17 de dezembro.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

SOBRE CAMINHOS…

Por: Raial Orotu Puri

Um tempo desses atrás uma amiga fez um comentário sobre uma foto minha de que gosto muito. A questão me voltou à memória, devido a uma parte de uma conversa muito bela e produtiva que tive na data de ontem. O comentário de minha amiga falava que sempre que via a minha foto, ela pensava em ‘caminho’, caminho esse que a chamava a ser trilhado.

À época da conversa, esclareci à minha amiga que, de fato, a imagem era de uma ponte que atravessava de um lado a outro sobre uma espécie de lago, que, por um fato específico ocorrido naquela Terra Indígena, com o povo que ali habita, pode ser entendido como um espaço sagrado. E o é realmente. Quando se visita aquele espaço, é possível sentir a sacralidade do local. É claro que este Sagrado tem certas características, que obedecem à lógica específica inerente ao mundo indígena e, por isso, entendo que nem sempre esse sagrado seja o tipo de sagrado esperado por olhares externos, e é sobre isto que gostaria de discorrer ao longo dessas linhas – espero concluir com algum sucesso.  

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

MEU TEMPO DE CRIANÇA NOS SERINGAIS DO RIO MURU - parte 5

Por: Txai Antônio Macêdo
Da colocação Currimboque a cidade de Tarauacá


Diante a situação de saúde da minha mãe e por necessidade de que seus filhos frequentassem escolas, meu pai decidiu voltar da colocação Currimboque para a cidade de Tarauacá. Nessa época eu estava com doze anos de idade...

Nosso retorno foi muito trabalhoso, pois, assim como foi quando nos mudamos para a colocação, tivemos que levar todas nossas ‘tralhas’ nas canoas igarapé abaixo a até desaguar no Rio Muru outra vez. E assim descemos o igarapé São José, matando paca para fazer nosso rancho da viagem.

Pernoitamos a última noite de descida na colocação de seu José de Castro. Quando chegamos nessa colocação recebemos a notícia de uma festa que aconteceria naquela noite, na casa de seu Agenor Moura, localizada na margem do Rio Muru e logo abaixo da foz do Igarapé São José. Eu e meus irmãos ainda nos animamos para chegar a festa naquela noite, mas meu pai e minha mãe não permitiram, por isso nos acalmamos e ficamos conformados com a decisão. No dia seguinte saímos na confluência do rio Muru e dali era só descer até a cidade. Mal havíamos começado a descida, e, ao cruzar com outros viajantes, logo ficamos sabendo dos boatos da festa.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

XINÃ BENA: Um novo tempo, o tempo da cultura… o tempo de ‘novos espelhos’...

Por: Dedê Maia

Fui apresentada aos Huni Kuin, também conhecidos como Kaxinawá, no final da década de 70, pelo antropólogo Terri Valle de Aquino, meu querido Txai Terri, com quem iniciei meu caminhar pelas aldeias do Aquiry*, e meu trabalho como pesquisadora indigenista.  A maior parte dele, realizado entre famílias Huni Kuin, de diferentes Terras, de diferentes aldeias.

A primeira delas foi entre as famílias Kaxinawá do rio Humaitá. Esta experiência está no meu livro “Viagens pelos Rios do Interior”**, organizado primeiramente pela minha filha Teti Coube e editado pelo meu amigo Jairo Lima, a ser lançado brevemente. No entanto foi entre as famílias Kaxinawá da Terra Indígena Kaxinawá do Rio Jordão – Município de Jordão, no Acre, que dediquei à maior parte do meu trabalho.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

“TU ÉS MARABÁ!”: Sobre estereótipos e algumas discussões contraproducentes que não levam a lugar nenhum – a não ser ladeira abaixo.

Por: Raial Orotu Puri

Marabá é um poema publicado em 1851 pelo poeta Gonçalves Dias (1823-1864), no livro Últimos Cantos. Escrito em plena época do Romantismo, o poema tem um viés claramente nacionalista, aonde o indígena é exaltado como símbolo da brasilidade. A índia eu-lírico do poema é uma ‘marabá’, isto é, mestiça. Seu nome não é citado nos 54 versos, que, por outro lado, se dedicam a descrever sua aparência: através deles, descobre-se que ela tem cabelos cacheados, olhos verdes e tez branca. Tais características fazem com que a moça seja rejeitada, posto que ela não possui nenhum dos ideais de beleza que apreciados por seu povo.

Marabá é uma palavra do tupi-guarani que pode ser traduzida como inadequado, defeituoso, impróprio, diferente. É também uma palavra usada para reporta-se aos mestiços, filhos da mistura entre índios e brancos, razão pela qual são considerados imperfeitos ou impuros, desde a perspectiva da cultura indígena.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

MEU TEMPO DE CRIANÇA NOS SERINGAIS DO RIO MURU - parte 4

Altar de Santa Maria da Liberdade, capela em Feijó
Por: Txai Antônio Macêdo

Ainda na colocação Currimboque: Promessa feita, dádiva recebida e sacrifício pago

Num daqueles ‘dias de branco’ -  como costumavam dizer os seringueiros adultos - , sai para cortar minha estrada de seringa, São José ‘de cima’ (lembrem-se disso: toda estrada tem seu próprio nome) e no decorrer do trabalho, naquele dia, adquiri uma febre fortíssima.

Ocorre que eu havia passado por baixo de um pé de Palmari e não vi a árvore, e por isso, ganhei aquela famigerada febre. Para aumentar minha má sorte naquele dia caiu uma forte chuva, e eu ainda estava longe de casa. Tive que sobreviver toda aquela chuvarada com a febre que me atacava de forma quase intolerável. Cheguei na casa de meus pais usando uma ‘muleta’  improvisada, feita com pau de caneleiro, e sem querer deixei minha mãe muito assustada, especialmente, ao me ver andando apoiado nessa muleta.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

YUBAKA HAYRÁ: Iniciando o papo sobre a Conferência Indígena Ayahuasca...

Por: Jairo Lima

- “Você não vai escrever nada sobre o encontro Yubaka Hayrá?” - Ouvi e li esta pergunta uma quinze vezes nas duas últimas semanas.

Esse questionamento se deu mais por causa de minha posição, devidamente registrada e divulgada, quando da edição 2016 da Aya Conference. E não escondo que até hoje muitas ‘coisitas’ que rolaram neste evento ainda estão pairando no ar, e garanto a vocês que não são poucas.

Mas, ok… vamos lá, começar esse papo tão necessário...

Na semana que passou, onde os olhos materiais e as atenções continuaram, em sua maioria, focadas nas polêmicas políticas e sociais da Pindorama, eu estive às voltas com o corre-corre e demais detalhes da organização da 1a Conferência das Organizações Regionais Indígenas e da 1a Yubaka Hayrá (1a Conferência Indígena Ayahausca). Garanto que isso tomou-me o tempo, a atenção e, claro, o humor. Reuniões, ligações e o escambau a quatro misturaram-se à análise das fichas de inscrição de um bocado de gente interessadas em vir para o evento da ayahuasca.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

SOBRE OS PÁSSAROS E AS REDES SOCIAIS

Por: Raial Orotu Puri

Algumas semanas atrás li um artigo que tratava de comparar a cultura do canto dos pássaros com o fenômeno das redes sociais. O artigo foi para mim – que não entendo nada de ornitologia – um tanto hermético, mas apesar de tudo, muito esclarecedor. Achei o tema muito interessante, e tenho pensando em escrever algo sobre isso desde então. No entanto, sentia que não me encontrava preparada para fazê-lo, devido justamente ao fato de achar que não havia conseguido apreender em profundidade alguns dos conceitos utilizados pelo autor.
Hoje, no entanto, após ler outra matéria tratando de redes sociais, voltei a pensar no artigo sobre o canto dos pássaros, e me vejo compelida a falar deste tema...

Bem, o referido artigo sobre os pássaros dizia que, para além de atrair parceiros e demarcar territórios, as aves utilizam os seus cantos como forma de diálogo, e que a cultura dos cantos pode evoluir ao longo das gerações, através da introdução daquilo que o autor chama de ‘sílabas raras’, que, de início podem sofrer resistência por parte da comunidade da espécie, mas que com o passar do tempo podem ir sendo incorporadas à cultura geral.

O texto prossegue explicando alguns mecanismos pelos quais se faz possível que os cantos não entrem em colapso devido à inovação excessiva, nem acabem se tornando de tal forma uniformes que tornem impossível quaisquer introduções do novo. Esta é a analogia usada pelo autor para demonstrar certa semelhança entre as mudanças que a internet tem imprimido na cultura humana, e a necessidade da adoção de mecanismos que permitam que nenhum dos dois extremos nos ameace: nem o caos, nem a excessiva uniformidade.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

MEU TEMPO DE CRIANÇA NOS SERINGAIS DO RIO MURU - parte 3

Por: Txai Antônio Macêdo
A vida na colocação Currinboque

Ali era louco, era inóspito, como se dizia lá: "Tudo no bruto há 18 anos".  

A colocação Currimboque, onde estávamos morando e trabalhando, fazia já dezoito anos que não era habitada por ninguém. Por isso, tudo ali já havia regenerado, mas foi preciso trabalharmos muito para edificar casa de morada, defumadores, galinheiros, cercado para jabutis, roçados e reabertura das estradas de seringa.

Nossa colocação distava cerca  de seis horas da sede do Barracão Colombo localizado na margem direita do Rio Muru. As colocações que se avizinhavam eram: Cius, com seis horas de viagem a pé já nas águas do igarapé Ciús, pertencente às águas do Rio Envira; Cocal com quatro horas de viagem a pé; Campos da Cruz, com duas horas de viagem a pé e; Paiol da Lama, com três horas de caminhada pela floresta.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

UM ‘CAUSO’ ENTRE OS YAWANAWÁ: o dia em que o velho Yawa me enfeitiçou...

Por: Jairo Lima

Fui convidado para um jantar na casa de um casal amigo, onde se reuniram o grupo que participou, por indicação minha, do XVI Festival Yawanawá, na aldeia Nova Esperança, Terra Indígena Rio Gregório.

Entre drinks e petiscos, os vozerios entrecortados por risos e pantomimas narravam as ‘aventuras’ vividas nos três dias de festividades que participaram. Mirações com o uni (ayahuasca), as brincadeiras, a caiçumada e outros detalhes da festa tomavam forma a cada momento em que eram citadas. Como não poderia ser diferente, o consenso geral foi de que a experiência vivida, já que para quase todos era a primeira vez que participavam, foi um marco em suas vidas.

Eu, na mesma emanação, entre as beberagens e petiscagens misturava-me ao assuntos, ao passo que minhas próprias lembranças rodopiavam em minha mente, algumas tomando a forma de palavras que, de certo modo, divertiram os demais presentes.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

EXPLORAÇÃO E RESISTÊNCIA: Povos indígenas no contexto das dinâmicas de fronteira Brasil - Peru

Por: Maria Luiza Pinedo Ôchoa

Dando continuidade aos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Pró Índio do Acre e associações indígenas na região do Alto Juruá, foi realizada no período de 28 de setembro a 10 de outubro, a II oficina de atualização do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu. A oficina permitiu discutir, refletir, atualizar informações e acordos que compõem o Plano, como também novas estratégias de proteção dos territórios e sustentabilidade dos recursos naturais, diante das diversas mudanças e desafios dos últimos anos que afetam os povos Huni Kuĩ e Ashaninka desta TI e comunidades que moram na Reserva Extrativista do Alto Juruá, na região de fronteira do Acre com o Peru.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

MEU TEMPO DE CRIANÇA NOS SERINGAIS DO RIO MURU - parte 2

Por: Txai Antônio Macêdo

Meus tempos de criança eram tempos difíceis, mas, mesmo assim muito animado. Muitas coisas aconteciam...

Um grito na floresta
Eu já trabalhava ajudando a minha mãe nos roçados. Meu ofício era carregar água limpa das fontes, para minha mãe e minhas irmãs beberem quando se encontravam trabalhando nos roçados.
Junto com minha irmã Kon Kem, durante o verão, pescáva-mos camarão em meio aos paus dos igarapés e fazíamos comidas muito gostosas, mas, eu gostava mesmo era do camarão assado no espeto e na brasa do fogão. E nesses momentos passávamos sempre por muitas aventuras, como, certa vez, quando fomos ‘pastorear’ passarinhos do tipo graúna e chupão, que comiam todo arroz dos roçados.