SUBIDAS
E DESCIDAS... CHEGADAS E IDAS
Gosto de música, isso é fato, afinal sou músico. Bem na
verdade estou mais pra ‘tocador’...
Mas tem estilos musicais que me cativam muito, e isso se dá
tanto pela beleza da harmonia de sua execução quanto das lembranças e sensações
que me trazem.
Em especial gosto da música indígena e da música Tuareg.
Poderia citar vários expoentes dessas vertentes musicais, tão exóticas (ao
menos para boa parte do mundo) quanto sensoriais. Porque digo isso? Digo porque
ao ouvi-las chego até a sentir a mesma sensação das viagens longas e ‘intermináveis’,
de subidas e descidas de rios, num constante ‘tô chegando’ a cada nova curva
dessas veias de água que alimentam a natureza.
Aquela sensação de liberdade que só é sentida quando nos
deparamos com um gigantesco mundo novo à nossa frente, como os rios que cortam
e alimentam o mundo ou a imensidão vertiginosa de um deserto. No momento em que
escrevo essa crônica ficou ouvindo essas canções no meu fone de ouvido, e não
deixo de sentir uma saudade enorme dessa sensação.
Estar tão próximo a natureza nos engrandece em nossa pequenez humana, pois, nos sentimos, ao menos, parte dessa grandiosidade que tanto nos apequena. Fico pensando: como explicar essa sensação a quem não a entende, ou que nem esteve perto de entende-la ou de experimentar?
O interminável subir, a expectativa do descer. A percepção
de que de nada adianta se ater à prisão silenciosa ou sistêmica do relógio. As
lembranças do que se viveu ou a expectativa do que se viverá. Os odores que
ficaram em nossa lembrança.
Mesmo sabendo os caminhos e onde se vai chegar, cada viagem
por esse mundão verde que é a floresta não deixa de ser uma descoberta, um novo
à cada momento, a cada curva de rio, a cada varadouro vencido.
Ver ao horizonte a silhueta de uma aldeia indígena tomando
forma e se agigantando, a fumaça das cozinhas subindo preguiçosamente, o odor
de comida, a forma por vezes, ‘disforme’ contra a luz do sol ou sombreada sob a
pálida luz do entardecer, nos enche de uma sensação de vitória, de ‘chegada’.
Você, leitor ou leitora, sabe o que é essa ‘sensação de chegada’? Não? Então,
querid@s vocês ainda têm muito o que viver, pois, essa sensação nos enche de um
sentimento prazeroso que mescla alegria, orgulho-próprio e sensação de dever
cumprido. Mesmo sabendo que isso é apenas o começo do que se vai vivenciar.
A ida misteriosa e o retorno transformado. Sempre foi essa
minha sensação ao pular num barco para seguir ‘onde a venta aponta’, como dizia
minha avó Helena. Sim, um retorno ‘transformado’, pois, tem-se essa sensação de
voltar diferente, com outras sensações e nova percepção do que está à nossa volta.
Um vigor de que podemos passar incólumes pelos obstáculos e agruras de nosso
dia-a-dia sufocante e compartimentado de obrigações, prazos e desilusões, onde
precisa-se lutar a cada dia com o fantasma da tristeza e impotência ou, pior,
com a certeza de que para continuarmos em pé precisamos nos entupir de remédios
e palavras de motivação.
Em breve teremos a IV Conferência Indígena da Ayahuasca, que
será realizada na sede do Instituto Yorenka Tasorentsi, em setembro deste ano. Lá,
velhos amigos de tantas ‘rodas de cipó’, subidas de rio e varadouros estarão se
encontrando. Também novos amizades se farão e novas redes se formarão. Isso
tudo é muito importante, mas, nesse momento de sentimentos que a canção Akomaya*,
executada pelo querido Iskukua Yawanawá, que ouço agora faz fluir do meu ser, o
que faz meu coração palpitar é, na verdade, saber que em breve viverei tudo
isso que descrevi acima, embalando meu espírito aventureiro e eterno de uma criança
que ainda terá muito o que explorar.
E você “cara pálida” sabe do que eu estou falando? Não?
Pois é... então se liga, irmão.
Boa semana a tod@s!!
* Para ouvir a canção Akomaya citada no texto, clique aqui.
** Imagem usada no texto: "Subindo o Juruá", Jefferson Amaro, 2019.
Jairo Lima
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