segunda-feira, 31 de outubro de 2016

NÏ NAWA: Encontro com o "Povo da Floresta"...

Nos meus primeiros anos de indigenismo sempre tinha um sonho recorrente que, vez ou outra, insistia em assombrar minhas noites: eu andando na floresta, tentando chegar a algum local e, de repente, topava com um grupo de índios isolados que passavam a me perseguir. Correndo deles, acabava por ser acertado por algo jogado contra mim e... eu acordava!

E sempre que eu estava em alguma uma aldeia, vez ou outra o assunto dos “parentes brabos” entrava na roda, geralmente após a janta quando, “de bucho cheio”, passávamos o tempo conversando e soltando fumaça de nossos piubas* e cachimbo.

Também, nas leituras que fazia, principalmente do “Papo de Índio” e dos relatórios de Marcelo Piedrafita e Terri Aquino, o tema era uma constante, com relatos de aparecimento desses povos isolados em torno de algumas terras indígenas.

Creio que essas informações, aliadas às histórias ouvidas nas aldeias, devem ter contribuído com a recorrência do sonho envolvendo estes povos.

O tempo passou, minha experiência aumentou juntamente com minha idade e maturidade, e este sonho deixou de me assombrar.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

CONFERÊNCIA DA AYAHUASCA: um outro olhar...

Purificando o ambiente- Foto: Sergio Vale
Por: Dedê Maia*

Neste momento não escrevo mais como membro da comissão de organização da segunda edição da a II Conferência Mundial da Ayahuaska, parte indígena, que aconteceu na cidade de Rio Branco, no espaço da Universidade Federal do Acre-UFAC, entre os dias 17 a 22 de outubro que se finda. Escrevo como simples observadora, exercendo meu direito de cidadã com minha liberdade de expressão.

Tento aqui organizar essa colcha de retalhos das memórias do que me foi possível acompanhar de perto durante esta conferência.

Sobre minhas emoções... bem, montanha russa é pouco para descrevê-las.

Mas, deixando minhas emoções de lado, esse evento mudou de fato minha rotina e a rotina de estudantes universitários, professores, Daimistas de igrejas locais, juristas, curiosos, e até de “fofoqueiros de plantão”, que puderam atualizar suas pautas venenosas.
Durante uma semana essas pessoas transitaram entre centenas de estrangeiros de diferentes países (cientistas, médicos terapeutas, neo-xamãs, produtores e idealizadores do evento, etc.), e alguns representantes indígenas, que apesar das inúmeras dificuldades para participarem, conseguiram de alguma forma marcar presença e mandar o seu Yuimakim para o mundo.


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

FESTIVAL YAWA 2016: Em memória do sábio cacique Tuikuru...

Tuikuru Yawanawá - Foto: Rapa Nuy
Para quem já teve ou tem a oportunidade de conhecer o Acre, tendo como foco suas florestas e os povos que ali habitam, fica impressionado com o dinamismo e a vivacidade que movimentam este “mundo paralelo”.

Sempre está acontecendo algo interessante, seja numa aldeia indígena, seja numa comunidade de extrativista, seja numa das centenas de irmandades do daime espalhadas pelas cidades do Estado.

Assim, dando mais cor e movimento a este dinamismo, nesta semana que se inicia, teremos a realização do XV Festival Yawa, realizado pelo povo Yawanawá, aldeia Nova Esperança, TI Rio Gregório. Este evento ocorrerá de 24 a 31 de outubro deste ano.

Saber sobre este povo, ou sobre este festival, não é difícil. Uma busca rápida na internet, além de propiciar o entendimento sobre estes, ainda surpreenderá o leitor ao se deparar com as diversas reportagens e links sobre os projetos e aparições de seus representantes em diferentes espaços sociais e culturais.

O que destacarei na crônica de hoje, no entanto, é um personagem que, sem o qual, tudo o que vemos sobre este povo talvez não se existisse. 

Falo do saudoso Tuikuru Yawanawá, grande cacique deste povo que merece todas as honras por tudo que fez para garantir o território onde hoje se encontra a terra indígena, além de incentivar os jovens a praticar a cultura tradicional.


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

AYACONFERENCE 2016: Dissonâncias com o sagrado indígena...

Obra de Tiago Tosh***
O Aquiry Indígena teve uma semana bem movimentada e terminou com o movimento de caravanas de indígenas em direção ao Seringal Empresa (Rio Branco), capital do Estado, a fim de participarem direta e indiretamente da Conferência Mundial da Ayahuasca, que começa nesta segunda-feira.

É um evento que muitos consideram importante, outros nem tanto (meu caso), e que vem suscitando diferentes emoções e manifestações de apoio ou protesto, tanto por parte de seguidores das diferentes doutrinas do Santo Daime, quanto de lideranças indígenas.
Também tem aqueles que oscilam entre o apoio e o protesto, manifestando-se a favor numa semana e contra na outra.

- Mas, o objetivo do evento é científico, academicamente científico – foi a explicação mais ouvida sobre o evento. 

O Acre é o berço da conhecida “doutrina do santo daime”, que engloba três grandes correntes doutrinárias de uso ritualístico do chá sagrado, de origem indígena. Doutrinas estas que se espalharam pelo mundo, dirigidas em grande parte por grandes mestres e, logicamente, gerando interesse acadêmico/científico pelo assunto.

Claro que junto com o crescimento das doutrinas, diferentes interesses e possibilidades também floresceram, umas bem positivas, outras nem tanto.

O chá, muito conhecido no mundo cariu* como ayahuasca, possui diferentes denominações, tanto no mundo destes quanto no mundo indígena.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

POLÍTICAS UNIVERSAIS: Bolsa família e os povos indígenas...

Criança Shanenawa- Foto: Andreia Farias
Faz uma semana que se encerraram as eleições no Acre e não posso negar o alívio de que essa obrigatoriedade desnecessária ficou para trás. Não aceito muito bem este “cabresto” que nos é imposto. 

Aqui na terra de Galvez sessenta e um candidatos indígenas concorreram a vagas do legislativo e executivo. Destes, dez tiveram êxito: um prefeito, um vice-prefeito e oito vereadores.

A vitória do prof Isaac Toto Piyanko Ashaninka para a prefeitura de Mal. Thaumaturgo foi, sem dúvida, além de um marco histórico para o movimento indígena acreano, a consagração de uma trajetória de vida repleta de desafios e coroada de vitórias. Trajetória esta cultivada com muito zelo por este professor indígena que tive a oportunidade de conhecer no ano de 1999.

Mesmo dias depois do resultado das urnas, ainda era possível ver manifestações e matérias jornalísticas falando a respeito de sua vitória.

Das primeiras associações indígenas até a estrondosa vitória do prof Isaac, muitas barreiras foram transpostas e muitos preconceitos foram vencidos. Quem acha que o Acre, por ser um Estado tão rico e conhecido pela cultura de seus povos, não exista preconceitos e intolerância está muito enganado.

Uma fala do Isaac, em entrevista após a vitória, mostra bem isso: “Tentaram usar o fato de eu ser índio contra mim. Falaram que eu iria dividir terras do município para os indígenas e outras coisas, mas eu tentava informar a sociedade e desconstruir essas mentiras”.
Pelo Brasil, a partir do monitoramento das redes sociais, foi possível constatar vitórias de indígenas para as câmaras municipais. Vitórias modestas, claro, mas com um significado importante para o movimento indígena e indigenista.

Não me iludo achando que os resultados das eleições trarão mudanças significativas para as políticas indígenas, mas também, não sou tão jovem e cético para achar que essas conquistas não são importantes.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

MULHER INDÍGENA: Diversos olhares, muitos papéis...

Mulher Huni Kuin- Foto: Jairo Lima
Observando a imagem que a revista Xapuri selecionou para ilustrar minha crônica da semana passada, não deixei de perceber a beleza e a força que ela emanava.

A imagem era uma fotografia, tirada pelo Prof BinhoMarques, que mostrava duas indígenas Ashaninka, entre elas a agente de saúde Dora Piyanko Ashaninka.

Isso me fez pensar nessa figura, “mulher indígena”, na contemporaneidade indígena do Aquiry* e o assim chamado “papel” que ocupa em sua comunidade e nos processos de interações e interlocução social com o mundo do Yura**.

É muito comum que, ao ouvirmos falar da mulher indígena, somente façamos a ligação mental com os afazeres ditos “femininos” em uma aldeia, como cuidar dos filhos, preparar alimentos, cuidar da casa, etc. Visão enganosa que podemos comparar com a ideia tradicional e conservadora de nossa sociedade, que ainda insiste no termo cafona e limitante do papel da mulher, enquadrando-a tão somente como “do lar”.

- Só que não, cara pálida!

O assim chamado "universo feminino indígena" é muito amplo, e sem o qual, o que conhecemos como cultura indígena não teria a riqueza e profundidade que estamos acostumados a ver.