quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

FIM DE ANO: Uma mensagem escrita com as mãos sujas de tinta

Por: Raial Orotu Puri

Autor: Anouk Lacasse
Tenho passado esses últimos dias de 2016 pondo para frente um projeto que esteve parado por um tempo em minha casa, e que comecei devido a algumas situações de crises que vivi nas últimas semanas. Eu andara recolhendo duas peças descartadas para aproveitar em minha casa; dois ‘carretéis’ de fio, para transformar em mesas. Mas, dadas as correrias constantes da vida, o tempo foi passando e meus pretensos projetos de movelaria foram ficando sem que eu fizesse quaisquer das intervenções pretendidas.

Chegou, no entanto, um período em que senti que esse projeto era inadiável e então comecei a fazer a intervenção pretendida. Isto se deu em um momento em que precisei me afastar um pouco do meio virtual, e principalmente da escrita. Isto é algo um tanto peculiar, cabe comentar: por uma série de coisas, desde há muito tempo, eu me acostumei a me expressar melhor e mais livremente através do texto escrito, me sendo muito penoso o exercício do falar, sobretudo em público. Não sou, e não creio que um dia chegue a ser dotada da “ambidestria” de pessoas como meu amigo Jairo Lima, capaz de conduzir bem a melodia das palavras em ambos os ambientes... E assim, eu sou a que escreve.

E sendo a que “escreve”, isto me foi muito demandado ao correr desse ano. Em uma série de ocasiões, assumi o papel de relatoria em eventos de organizações associativas indígenas, fazendo a relatoria das mesmas, ou, nas palavras poéticas, generosas e sempre superlativas do meu querido amigo o ‘Deputado’ Maná Kaxinawa, sendo “a memória dos Huni Kui, guardando aquilo que será lembrados de geração em geração, e nunca acaba”. E foi também a partir da quadra final de 2016, como resultado de muita conversa escrita, e de outros tantos compartilhamentos que fui alçada do papel de expectadora – sem jamais deixar de ser fã! – ao de comparte deste tão belo puxadinho... Presente recebido com muito susto, a ciência do peso de responsabilidade, imensa honra, e uma grande alegria, pois não tenho dúvidas em dizer que a participação no Blog Crônicas Indigenistas, bem como o transporte destes textos também para a Revista Xapuri, certamente trouxeram um hiato de beleza que ajudou a dissipar a bruma e permitir a caminhada pelos dias desse ano.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

MENSAGEM DE FIM DE ANO: Encostando o barco no barranco...

Foto: Acervo Biraci Junior
Por: Jairo Lima

Tivemos um pequeno terremoto no amanhecer deste domingo. Não posso afirmar que este fenômeno não deixa de ter certa ironia poética, que representa bem o que foi este ano, cujo roteiro em nada perderia para as peripécias do reino caótico e disfuncional de Macbeth.
Mas também foi o ano em que iniciamos esta jornada pelos barrancos do Acre e por reflexões de vida, tendo sempre como pano de fundo a cultura indígena e o trabalho em indigenismo que anima a mim e a todos que contribuíram com seus pensamentos transmutados em textos.

Conheci pessoas novas, sem conhecê-las pessoalmente, mas que, graças a esta incrível ferramenta de comunicação chamada internet, meus textos as tocaram de alguma maneira, aproximando-as e tornando-as parte do meu cotidiano, como vizinhos que ao final da tarde sentam-se para prosear.

Para minha surpresa, meus textos foram recebidos com interesse por muitos e, graças a isso, pude conhecer e ser reconhecido por parceiros muito legais, que ampliaram minha “voz”. Entre estes parceiros não poderia deixar de citar a Revista Xapuri, na pessoa da Maria José Weiss. Lindo. Fiquei boquiaberto ao descobrir que as visualizações dos meus textos, nesta revista, ultrapassavam a cifra de quatorze mil com frequência.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

SONS INAUDÍVEIS PARA SERES INVISÍVEIS (ou vice-versa)

Por: Domingos Bueno

“..a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; (...) E disse Deus: Haja luz; e houve luz.”. Gênesis 1:2,3

Dizer significa expressar-se através de palavras: soar... e por  vezes ressoar. Por que o comando divino do Genesis não foi simplesmente um pensamento, ou antes, um desejo? Tipo: - e Deus pensou/desejou: Haja luz... Por que a divindade criadora do universo precisaria usar de palavras antes delas existirem? Alguns teólogos dizem que Ele não disse propriamente, pois a palavra divina difere da humana (embora exista aquela outra afirmação da imagem e semelhança...), enfim...

Na cosmologia hindu, a criação do universo acontece quando Brahma expira, expandindo a criação, sendo a palavra/mantra OM o próprio corpo sonoro do Absoluto.
De novo: a expiração se refere ao ar? (dos pulmões?) Bem, ai existe uma questão de ordem física, pois até onde se conhece do universo, apenas o planeta terra possui atmosfera adequada a vida tal qual a conhecemos. Também não existe ar no espaço/vácuo, o que nos levaria à necessidade de explicitação de ideias e conceitos, que apenas recentemente (no tempo expandido) foram descobertas e admitidas, por populações majoritariamente ágrafas e desprovidas dos rudimentos da biologia humana ou da física na chamada ciência ocidental.

Argumenta-se que tais narrativas seriam tentativas de dar sentido ao cosmo e a vida utilizando os recursos cognitivos disponíveis no(s) momento(s) em que foram compostas, anunciadas ou/e recompostas. Será?

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

LÍNGUA INDÍGENA: Mais que um significado de mundo...

Tuwe Huni Kui - Foto: Acervo Tuwe
Por: Jairo Lima

Encerrou-se na semana passada o “Curso de Hãtxa Kuin”, protagonizado pelo Prof. Dr. Joaquim Maná Kaxinawá e realizado na aldeia Água Viva, Terra Indígena Praia do Carapanã.

Sempre faço uma troça inocente sobre esta terra, informando aos interessados em conhecê-la ou que se encontram em trânsito para a mesma que, a despeito do maravilhoso Povo que lá habita, e pela beleza exuberante da natureza que a circunda, Deus decidiu que este seria o lugar onde morariam os mais nervosos e insaciáveis piuns e carapanãs da Amazônia.

Este curso foi especial, e arrisco dizer que foi um marco no processo de fortalecimento do hãtxa kui (língua tradicional do Povo Huni Kui), pois desta vez, vemos a iniciativa e sua execução totalmente sob a égide dos detentores desta língua. Dispenso aqui umas linhas para dizer que a afirmação acima não procura visões simplistas ou panegíricas superficiais só porque a atividade foi realizada por professores indígenas. Nada disso. Temos um doutor em linguística a frente do processo, ou melhor, temos um doutor Huni Kui que além de falante (e pensante) do hãtxa kui também possui todas as ferramentas necessárias para o ambicioso projeto que o move: fortalecimento e expansão da língua materna.

O mais recente texto da Raial, “Resposta a Samman Potéh”, além de ser de uma profundidade singular, em seus parágrafos finais lembraram-me pensamentos que há muito circulam em minha mente e que me atiçaram a estudos e observações ao longo destes muitos anos, de subidas e descidas de barrancos. Trata-se da língua indígena.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

MENSAGEM DE REALISTA ESPERANÇA*

Super Lua - Foto: Tashka Yawanawá
Por: Dedê Maia

Esse foi um ano para não esquecer!

Uma mensagem “Sobre a Esperança” - Mensagem para encerrar 2016 e esperar um “Ano Novo”.

Não se trata de uma mensagem qualquer. Tipo dessas que já vêm prontas e empacotadas para os finais de todos os anos.

Também não se trata de mais uma mensagem de análise do panorama político, ou críticas. E olha que temos muitas razões para isso! Ou ainda mensagem cheia de lamúrias das perdas desse tempo! E se der trela como tem “ais” em 2016! Esse foi um ano para não esquecer “com tudo que é de seu.” E nesse “tudo que é de seu”, eu pessoalmente venho também de encontros e reencontros prazerosos e encantadores; Que cantam para levantar o céu; Que reverenciam a vida; Que “rexistem” com dignidade, sabedoria e ações inteligentes, aos cruéis desatinos do mundo nawá. Realmente esse é um ano para não esquecer!

Resolvi, não apenas responder a mensagem ao autor, mas compartilhá-la.
Essa mensagem foi mais uma das “sincronicidências” que o movimento mais recente da minha vida tem me reservado. E sigo o fluxo, às vezes prazeroso, às vezes perigoso. Carece de atenção.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

RESPOSTA À SAMMAN POTÉH

Fonte: site Agenda Digital
Por: Raial Orotu Puri
Samman potéh,

Esta é talvez a primeira resposta pública que faço a você, sobre assuntos que já debatemos antes em particular. Faço-o por ter sido instigada a isso, através de uma crônica-carta que conversou comigo, em linhas, imagens e impressões, e que espelha um diálogo que não vem de hoje. Não creio que te traga nada de tão novo, seja sobre o que posso dizer da minha participação na Assembleia da OPIRJ, seja sobre aquele evento de triste memória. Contudo, responderei.

Para responder, há que se falar, uma vez mais, da despropositada "conferência internacional de celebração da falta de respeito da white people que acha que tem legitimidade para adentrar em um mundo onde não é bem-vinda" (e não são bem-vindos exatamente por sua absoluta falta de respeito com uma sacralidade que são incapazes de compreender.). Às vezes, é preciso lembrar de coisas ruins. Até mesmo para ser capaz de se afastar delas, para produzir algo que seja eminentemente diferente, e eis o desafio que está colocado neste momento.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

AYAHUASCA: Planejando a Conferência Indígena 2017

Por: Jairo Lima
“Teve um tempo em que o índio para ser um cidadão brasileiro tinha que usar roupas, ser batizado, parar de falar a língua indígena, falar a língua do branco. Tudo isso para ser considerado gente.
Será que não estamos violando os direitos sob a justificativa de estarmos protegendo algo? Afinal, pode ser que reconhecer a ayahuasca contradiga a essência da coisa”.

Este é um excerto dos registros da fala de Francisco Piyanko Ashaninka, durante uma reunião em que estávamos discutindo, juntamente com o IPHAN e a presidência da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), as bases para a realização, em 2017, de uma série de encontros regionais e, ao final de uma grande conferência estadual para discutir um assunto que vem gerando diferentes posições e pequenos conflitos: a patrimonialização da ayahuasca.

Como!?

Pois é, o assunto não morreu como eu já havia alertado em textos anteriores, para desalento de um querido amigo que, em nossos encontros pós-conferência, insiste em demover-me de uma visão e posicionamento que, segundo ele, é equivocada. Esforço louvável, mas inútil ante a convicção que me move e que ficou clara nas falas proferidas pelas lideranças durante as assembleias regionais que vem ocorrendo.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ALDEIA VERTICAL: Sobre encontros, pedras preciosas, estrelas e os Puri

Quadro de Teresa Lima
Por: Raial Orotu Puri

Uma das histórias antigas de meu povo, os Puri, conta sobre o surgimento dos diamantes, que são, assim como os próprios Puri, concebidos como um produto das estrelas, alkeh potéh, poeira das estrelas. Esta narrativa conta que, há muito tempo, quando os raion tentavam tomar os territórios ancestrais, estas investidas eram bravamente repelidas pelos guerreiros Puri, que impediam assim o avanço da conquista. Este grupo em particular vivia à sombra de uma Acaiaca, cedro rosa, a qual era considerada sagrada pelo fato de ter sido a árvore que deu salvação a um casal que subiu em seus galhos a fim de escapar de uma grande enchente que matou todos os viventes. Depois que as águas baixaram, o casal desceu para a terra e a repovoou.

Cientes da importância dada àquela árvore, e de que não seriam capazes de vencer aquela guerra por meios lícitos, os raion aguardaram o momento certo para atacar aquilo que sabiam, seria capaz de levar os Puri à derrota: Num momento em que todos se ausentaram da aldeia para participar de uma festa, cortaram a Acaiaca. O céu se abriu em choro tempestuoso, lamentando aquela profanação. Somente ao raiar da manhã seguinte, quando acordaram de um sono entorpecido de canjirina (bebida fermentada feita à base de milho), os guerreiros se deram conta do fato terrível, e sentindo-se agora completamente vulneráveis, foram facilmente vencidos pelo inimigo. Quando ainda celebravam seu triunfo entre os corpos assassinados, o espírito do pajé Puri apareceu-lhes dizendo que por pura cobiça eles haviam destruído aquele povo, e que isso seria também a sua própria ruína. Nesse momento, a Acaiaca explodiu, e seus estilhados espalharam-se sobre o campo. Porém, logo os raion notaram que o que tinham a seus pés não eram lascas de madeira, e sim diamantes. Tomados de loucura ante aquela inesperada fortuna, os raion passaram a lutar entre si para ficar com o tesouro, e assim, até ao fim daquele dia, não restava sequer um único vivente. E a batalha, portanto, acabou sem nenhum lado vitorioso.